Como verificar se uma notícia é falsa

Rodrigo Ortiz Vinholo
5 min readFeb 1, 2022

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Gerard Dou — Old Woman Reading a Book

No passado eu já fiz um texto sobre dicas para evitar fake news. Com a proximidade das eleições, recomendo a leitura, mas também acho que é um bom momento para vermos um guia rápido sobre como verificar se uma notícia é falsa, com abordagens mais práticas e diretas.

Recentemente, eu respondi no Quora a esta pergunta: Que site/perfil/página usa para verificar se uma notícia é verdadeira ou falsa?

Segue, abaixo, a resposta que eu compartilhei por lá. Espero que seja útil para todos:

Nenhum site de notícias é perfeito, e nenhum verificador vai garantir tudo. Eu não uso um site específico, eu prefiro usar vários, ou uma sequência intercambiável de passos.

Vamos usar como exemplo esta notícia que acabei de inventar:

“O cientista russo Sergei Stepanovich da Universidade de Moscou descobre que chocolate é feito de crianças mortas.”

Claro que o bom senso me diz que essa notícia é falsa, porque eu sei que chocolate não é feito de crianças, mas se eu quisesse conferir, eu faria os seguintes passos:

1- Pesquise essa manchete no Google.

Geralmente, basta jogar a notícia no Google e ele vai te mostrar todas as versões correlatas. Alguns cenários podem acontecer:

a) Você vê a mesma notícia repetida por portais de interesse amplo: nesse caso, a notícia tende a ser verdadeira, porque portais grandes têm grande preocupação com se manterem jurídica e jornalisticamente coerentes, preferindo dar informações certas do que duvidosas.

b) Você vê várias fontes de sites de algum tendenciamento específico, como blogs pequenos, sites de boatos, sites de algum posicionamento político muito específico: nesse caso, a notícia tende a ser falsa, porque eles não têm responsabilidade jurídica e/ou jornalística, não assinando matérias e não se responsabilizando em reproduzir boatos. Geralmente, aqui os textos são quase iguais ao que vai parar em redes sociais ou no WhatsApp ou Telegram.

c) Você vê entre os primeiros resultados um ou mais sites que combatem notícias falsas e fazem verificação: provavelmente, nesse caso, não apenas a notícia é falsa, como ela já foi espalhada o suficiente para escreverem a respeito dela. Essas matérias geralmente ainda apresentam mais detalhes que explicam a falsidade.

Lembre-se: na era da internet, é difícil ter uma exclusiva e, se você consegue uma, todo mundo que faz jornalismo que se preze vai querer fazer também, nem que seja replicando a sua.

Então digamos, no meu exemplo, que eu vi evidências que a notícia que eu pesquisei é falsa, mas eu quero ter mais certeza.

2- Procure fontes. E garanta que elas são de qualidade.

Toda informação tem uma fonte. Se uma matéria não cita fontes, ela não deve ser considerada verdadeira. Se ela cita fontes, vale consultar a fonte e ver se a fonte é de primeira mão ou não.

Muitas notícias falsas citam como fonte outras notícias falsas, que não citam nada. Boataria baseada em boataria, mas fingindo que são relevantes.

Existem os casos também — e estes tem sido muito populares ultimamente — em que a fonte é um estudo científico. Por vezes, o estudo até existe, mas os dados foram interpretados de maneira errônea ou simplesmente enviesada.

E existem os casos de fontes de informações, científica ou não, que estão simplesmente errados. Por isso, no passo 1, vale ver o que os verificadores apontaram como justificativa, apesar de uma fonte afirmando alguma coisa.

3- Pesquise elementos da manchete e de qualquer texto complementar.

Vamos pegar meu exemplo estranho: chocolate feito de crianças? Faz sentido isso? Por que alguém faria isso? É possível fazer isso? Do que é feito chocolate?

Essas e outras perguntas apontam que há, no mínimo, exagero na notícia. Se não parece fazer sentido, pode significar que realmente não faz.

A Universidade de Moscou foi citada. Ela tem alguma publicação sobre o assunto? Pense que se a notícia é verdadeira e relevante, provavelmente teria. Se você entrar no site, ou em algum ambiente acadêmico e não encontrar menções a essa pesquisa, isso pode significar que o nome dela só foi abordado para gerar credibilidade à mentira em questão.

4- Procure informações sobre as pessoas envolvidas e suas reputações.

E o tal cientista, hein? Antes de tudo, ele é real?

Se ele é real, ele fez essa pesquisa?

Se ele fez essa pesquisa, ela é considerada válida no meio científico?

Se ela é considerada válida no meio científico, ela está dizendo o que a manchete dá a entender?

Note que foram 4 perguntas só partindo do cientista. Em muitas notícias falsas, o assunto morre na primeira. Várias utilizam-se de nomes falsos ou comuns o suficiente para gerar confusão na hora de uma busca.

5- Procure informações sobre os fatos envolvidos.

Digamos que a tal pesquisa realmente existe, e que o tal cientista realmente fez a afirmação, não sendo um caso de uma manchete errônea.

Ainda assim pode não ser verdade.

Você ainda precisa prestar atenção para o que o resto dos cientistas irão dizer a respeito. E isso, claro, vale para incontáveis outras notícias.

Não é porque um boato político é compartilhado por um político que você gosta, que ele seja real. Não é porque uma celebridade falou de outra que quer dizer que seja verdade. Mesmo que elas tenham algo que pareça ser uma prova do que querem dizer.

Às vezes você está sem o contexto suficiente para entender a verdade toda. Às vezes faltam informações complementares. Não salte para conclusões.

6- Tenha bom senso, e se pergunte: quem se beneficiaria com isso?

Notícias falsas geralmente servem para atender ao menos um de quatro objetivos:

1) Beneficiar uma narrativa;

2) Causar medo e/ou caos;

3) Enganar pessoas gratuitamente;

4) Gerar lucro.

Usando meu exemplo estranho, por que alguém afirmaria que chocolate é feito de crianças, quando todas evidências apontam o contrário?

Algumas teorias: porque a pessoa é completamente maluca. Ou porque ela vai vender algum tipo de doce que vai afirmar que não tem crianças. Ou porque ela só quer ver quantas pessoas acreditam nela. Ou porque ela sabe que se você colocar “crianças” em qualquer história, as pessoas prestam atenção e se importam. Ou porque ela quer prejudicar fábricas de chocolate.

Ou, claro, porque ela quer o bem das pessoas e realmente acredita no que ela disse. O que poderia entrar no “é completamente maluca”, por acreditar em algo assim.

Mas note que nenhum desses exemplos é necessariamente bom.

Lembre-se: TODA comunicação que chega em você chega por algum objetivo. Confiar em uma só fonte e versão, ou na repetição dela, é se vender por pouco.

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Rodrigo Ortiz Vinholo
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Written by Rodrigo Ortiz Vinholo

Publicitário, jornalista, escritor, professor e pessoa estranha.

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