Alguns pensamentos sobre como escrever um texto de opinião
O título original deste texto era “Como escrever aquilo que você tem a dizer”, mas entendo que na época em que estamos, e no formato em que estamos vendo este texto, poderia gerar alguma confusão com discursos falados. Resisti ao trocadilho em nome da boa comunicação, e isso já é um ponto pra você ter em mente também para os seus textos.
A ideia para o que vou dizer a seguir veio quando uma pessoa que conheço pediu para eu lhe dar algumas dicas sobre escrita de textos de opinião, sobre organização e encadeamento de ideias. Mandei uma série de mensagens e, ao fim, chegamos à conclusão de que valeria tornar essas dicas publicas. Este é o resultado (depois de alguma revisão).
Vamos lá: todo mundo tem algo a dizer. Todo mundo tem uma opinião. Ela pode ou não estar embasada em fatos, e pode ou não ser de bom tom você compartilhá-la (dica: prefira compartilhar opiniões que sejam de bom tom). Seja lá qual for o caso, um bom meio de comunicar sua opinião é, para começar, deixar claro que ela é uma opinião.
É aqui que vem um ponto importante: não existe texto de opinião que se preze que não seja baseado em algum fato. O que quero dizer com isso: se eu descrever alguma coisa como ela é, ou dentro de uma análise científica, ou matemática, ou em qualquer outro modelo, eu estou lidando com fatos. Se eu estou narrando fatos, ou reproduzindo a fala de alguém, estou lidando com fatos. Se eu estou opinando sobre algo, eu expresso uma visão sobre alguma coisa. Então, claro, eu estou lidando com algo que é real em algum nível, mas para exprimir minha opinião, eu também preciso trabalhar com o que é real.
Se você trabalha unicamente com sua opinião, você está escrevendo ficção. Não há problema em escrever ficção. Eu adoro, faço muito. Mas não chame isso de texto de opinião. Eu não posso chegar aqui e fazer um texto sobre minha opinião sobre como todas as pessoas que usam boné têm cinco tentáculos saindo das costas e como eu acho isso vergonhoso, simplesmente porque esse fato não é real. As pessoas que usam boné não têm cinco tentáculos (ou, ao menos, essa não é a regra).
Piadas à parte, é claro que é praticamente impossível você ter um texto de opinião que não fale sobre um fato, porque nós comumente só conseguimos falar de coisas que existem. Isso dito, se nós vamos expressar uma opinião sobre uma coisa, nós precisamos falar sobre a realidade em alguma forma.
"Ah, mas eu quero opinar sobre a opinião dos outros." Mas a opinião dos outros é real? Quero dizer, você viu pessoas dizendo isso? Se sim, a opinião dos outros, falsa ou não, é parte da realidade! Entendeu?
Perdão se parece que estou desafiando sua inteligência, mas lembre-se que isso já foi mais de uma vez polêmica na internet em casos que prefiro não citar, onde, pensando-se que, por um clima de informalidade, valia dizer qualquer coisa. Mas a vida nunca é assim, e viver de opinião sem nenhuma base é, no mínimo, irresponsável.
Então, com tudo isso, lembre-se de deixar claro de alguma forma que o que se fala é sua opinião. Isso é interessante tanto para que as pessoas possam diferenciar que você está se baseando na sua visão de mundo e na sua experiência. É minimamente responsável você ter essa diferença e facilitar para as pessoas entenderem essa diferença.
Por exemplo, este texto aqui, vai falar do modo como eu faço textos de opinião. Ele não possui qualquer embasamento além da minha experiência como leitor e escritor. Você não verá citações ou referências bibliográficas aqui, mas somente o que existe a partir da minha experiência. Não é baseado em como eu "acho que as coisas deveriam ser", mas com base no que funcionou ou não funcionou quando eu fiz e outras pessoas fizeram.
Enfim, continuemos: então você quer opinar. Na minha experiência, antes de tudo, é interessante apresentar uma tese. Deixe bem claro qual é a opinião que você vai colocar no resto do texto. Isso não é nenhuma novidade, nem é revolucionário, e se não me engano é uma prática básica de redações escolares. Depois de apresentar sua tese, você vai ter que separar os argumentos e qualquer evidência que tiver como relevante para provar sua tese.
Aí que vem mais uma questão que fala tanto de moral quanto de credibilidade: você precisa falar com lógica. Parece óbvio, eu sei, mas eu preciso falar o óbvio. Se o seu leitor não compreender a sua lógica, ou se ele encontrar falhas nelas, todo o seu texto desmorona, ou, mesmo que não seja arruinado por completo, sua credibilidade diminui.
Vamos pegar um exemplo para ficar mais fácil. Este texto que publiquei em abril de 2021.
Basicamente, eu parti de uma opinião minha sobre comportamento: “quem usa a lógica de ‘bem’ e ‘mal’ na argumentação é burro ou desonesto.” A partir desse ponto, eu justifiquei o motivo porque penso assim.
Como eu fiz isso? Primeiro, eu listei os motivos que me fizeram ter chegado a tal conclusão. Junto disso, eu agreguei evidências e referências que entendi que seriam relevantes. Depois eu também me antecipei a questionamentos que os meus argumentos poderiam levantar, e contrapontos que fossem relevantes.
Com todas essas ideias, o próximo passo foi montar tudo como se fosse uma história. Basicamente, eu segui na lógica de raciocínio que eu tive, que foi o modo como muitas pessoas usam o termo “o mal” de modo ampla e sem sentido. Desse ponto em diante eu demonstrei porque era amplo e sem sentido, e os problemas que eu enxergava. Uma coisa derivando da outra, que derivou da outra, com os contrapontos entrando quando necessário e as respostas a ele seguindo, dando brecha para outros pontos da minha lógica, ou respostas, ou contrapontos.
Resumindo: eu expressei uma opinião, me justifiquei e respondi todas as dúvidas que imaginei que poderiam surgir. Isso quer dizer que eu cobri todas as bases ou que eu fui lógico e correto no meu texto? Não necessariamente, o que é um problema de muitos textos de opinião, mas, quanto mais completo, honesto e lógico for, menos brechas para erros tendemos a abrir.
Geralmente, textos de opinião têm um viés subjetivo — afinal, opiniões em algum nível sempre são subjetivas — e emocional. Assim, eu gosto de utilizar de humor ou de um exemplo prático para contextualizar a opinião que quero exprimir. Isso pode surgir em qualquer parte do texto, mas na minha experiência tende a funcionar mais no início ou no meio.
Quando eu abro um texto com uma brincadeira, é mais fácil de contextualizar a pessoa que está lendo. A tese é demonstrada no exemplo, então ela já tem um ponto de partida que encurta a necessidade de explicação. O exemplo pode ser revisitado durante o texto, ou outros exemplos podem surgir, idealmente estando na mesma lógica que o primeiro, para evitar confusão desnecessária.
Claro, nem toda tese é fácil de se apresentar de primeira, porque é necessário um contexto. O que você pode fazer, então, é dar uma ideia geral do que ela será explanado — com ou sem uma antecipação da ideia geral da tese — , desenvolver o raciocínio necessário e expor de maneira mais completa no final.
Um artifício que eu sempre observei que tem boa recepção com o público é ter uma tese que possa ser compreendida com clareza em uma única frase. É o resumo que as pessoas vão levar depois da leitura, entende? Se alguém perguntar sobre o que era a leitura, aquela frase explica tudo. Ou, ao menos, uma das ideias principais.
Já falei sobre lógica lá em cima, mas vale lembrar que não basta que sua tese seja lógica, nem que seus argumentos sejam, individualmente. Tudo tem que se conversar, tudo tem que se encaixar. Se algo está faltando, as pessoas não vão entender. Se está sobrando, elas vão enxergar que sobrou.
Imagine: sua tese é “as nuvens, na verdade, são todas feitas de gengibre”. Aí você vai, fala sobre nuvens, e sobre gengibre, mas seu texto nunca explica como as coisas se conectam. Ou, pior, seus argumentos falam sobre qualquer outra coisa que não tem ligação com isso, ou criam uma ligação que só existe na sua cabeça! Parece exagero eu ter que apontar algo tão óbvio quanto “seu texto tem que fazer sentido”, mas acredite: se estou reforçando aqui, é porque já vi as pessoas errarem muito.
Vale reforçar, assim: muitas vezes, uma opinião só faz sentido para nós porque ela existe na nossa cabeça e nós vivemos em nossas cabeças a vida inteira. Nós temos as referências que embasam o modo como pensamos. Toda vez que você vai expor o seu pensamento, se ele não é totalmente alinhado com o do público — e raramente esse é o caso — você vai ter que explicar o seu raciocínio, a sua base. É por isso que teorias de conspiração parecem tão lógicas para quem está na turma da conspiração, e tão bizarras para quem está fora.
Reforço também que toda essa ideia de trabalhar em torno de uma tese pode ser usada em outros tipos de texto. Eu, direta ou indiretamente, uso na minha escrita de ficção. Boa parte dos meus contos são a exposição de uma tese, ou de um tipo de “experimento”. Eu penso em uma situação que demonstre minha tese de alguma forma, e aí escolho um modo de expô-la e vou colocando elementos que embasem a tese que eu apresentei. No fim, eu não preciso necessariamente de uma frase que demonstre tudo com clareza.
Na verdade, na ficção, se você depender de uma frase que exponha tudo com clareza, é mais provável que você tenha errado na hora de escrever.
Finalmente, uma dica importante: saiba fazer um recorte. Isso vale tanto para sua opinião quanto para sua ficção.
É claro que sua tese pode ser abrangente e entrar em diversos tópicos, mas pense que quanto mais assuntos você colocar em um texto, maior ele se torna, e menos fácil de ser resumido em uma frase. Quanto menor a chance dele ser resumido, mais difícil é a compreensão dele, implicitamente.
Não estou falando para você não ter várias opiniões ou não trabalhar diferentes teses, mas estou dizendo que se você fizer um texto opinativo sobre muitas coisas, ele se torna um texto opinativo sobre nada. Se você fizer uma história de ficção com excesso de personagens, situações, mensagens e ambientes, ela se tornará confusa e dispersa.
Pense que até em um livro, cada capítulo — ou segmentos diversos — focam em assuntos específicos. Raramente uma leitura amigável agrupará 10 tópicos em um único espaço.
O recorte, também, pode ser feito para maximizar a compreensão e minimizar os erros de interpretação. Se o seu público é leigo, trabalhar conceitos complexos simultaneamente pode confundir mais do que ajudar. Se o seu público é sujeito a reações emocionais ao que é exposto, podem interpretar erroneamente o que é dito. Foque no que é mais importante e evite o que tem conexões mais distantes, ou que podem desviar muito a atenção, mesmo que sejam correlatas.
Num exemplo prático: no texto que citei no começo deste artigo eu originalmente ia citar exemplos de pessoas reais para vários pontos, incluindo figuras da política. Mas eu percebi que isso poderia tornar parte do meu público refratária. Eles literalmente poderiam concordar totalmente comigo enquanto estivéssemos no campo da lógica e da imaginação, mas discordar veementemente quando fôssemos à vida prática, porque eles gostam de pessoas que se comunicam da maneira que critiquei naquele texto.
Se eu tivesse focado o meu texto em criticar aquelas figuras, ele seria um outro tipo de texto, destinado a outro público. Isso não é um problema, mas não é o que eu queria fazer. Se você não souber fazer bem o recorte de seu texto, ele fica sujeito a esse tipo de problema.
Fez sentido?
Este não é um guia que vai exaurir o assunto, mas são apenas algumas ideias que considero mais importantes. Espero ter ajudado.
Qualquer dúvida, só perguntar.