Um diálogo comigo mesmo

Rodrigo Ortiz Vinholo
2 min readDec 4, 2024
Detalhe de “O Casal Arnolfini”, de Jan van Eyck (1434)

— Eu estou cansado.

— Então descanse.

— Não posso, eu preciso criar algo impressionante.

— Você consegue criar cansado?

— Não importa, se eu não tentar, nada será criado.

— Mas se você descansar, não vai criar melhor amanhã?

— Mas aí amanhã eu não terei criado nada.

— Sim, mas você pode criar amanhã. Talvez até mais, por não estar cansado.

— Mas e se amanhã for tarde demais?

— Tarde demais para quê?

— Tarde demais em geral.

— Por que seria tarde demais?

— Porque se eu não fiz até agora, quanto mais eu demorar, mais tarde será, entende?

— Não.

— Nem eu.

— Então por que você não para e entende?

— Porque se eu parar, eu demoro mais. Os outros estão fazendo coisas impressionantes.

— Certo, mas você está competindo com eles?

— Estou.

— No quê?

— Em tudo.

— Mesmo se isso fosse verdade, você acha que eles não descansam?

— Talvez.

— E aí?

— Se eu perder tempo descansando, eles vão tomar uma dianteira ainda maior.

— Você percebe que isso tudo é fundamentalmente sobre você se sentir inferior?

— Sim.

— E que mesmo que você criasse algo impressionante, talvez o problema não estivesse resolvido?

— Talvez.

— E aí?

— Eu estou cansado.

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Rodrigo Ortiz Vinholo
Rodrigo Ortiz Vinholo

Written by Rodrigo Ortiz Vinholo

Publicitário, jornalista, escritor, professor e pessoa estranha.

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