"Tudo em todo o lugar ao mesmo tempo" e a masculinidade gentil de Waymond Wang (Contém spoilers)
Este texto foi originalmente compartilhado no meu Twitter. Fui pego de surpresa pela repercussão do texto, então resolvi postar esta versão mais acessível para quem não usa a ferramenta, e já aproveitando para dar uma leve revisão no texto. Você pode ler a original aqui: https://twitter.com/IamRodrigo/status/1635797382595067911
Com o sucesso de “Tudo em todo o lugar ao mesmo tempo”, preciso destacar um elemento que gostei especialmente: a representação de masculinidade gentil do personagem Waymond Wang.
Alguns spoilers daqui em diante, então tomem cuidado.
Normalmente, ainda mais em filmes de ação, homens gentis ficam representados como alívio cômico. Waymond, ainda que tenha seus momentos assim, abraça o estereótipo e dá a volta nele, se tornando a chave do enredo.
No começo ele parece atabalhoado, passivo, mas já vemos que é o único que respeita Joy e sua namorada como elas gostariam. Suas brincadeiras de colar olhos nas coisas parecem bobas, mas vemos nele um desejo genuíno de ser gentil e tornar os outros felizes.
Mesmo a questão do divórcio, com os papéis surgindo de maneira desencontrada no começo do filme, ganha profundidade quando temos o universo próximo onde ele e Evelyn aparecem conversando no carro. Waymond é ligado a seus sentimentos, é maduro, e dói muito tomar uma decisão do tipo. Ainda assim, ele faz.
E aí que está a grande chave, que considero o melhor ponto da representação de Waymond: sua gentileza é colocada como seu ponto mais forte. Em outras obras, e em muito de nossas expectativas sociais, isso seria colocado como uma fraqueza.
Pela oposição com Gong Gong, isso fica mais claro: o pai de Evelyn é do tipo que, através do multiverso, não se importa de sacrificar, de abandonar, e se fecha para tudo que seja diferente. Waymond, não. Ele tenta conciliar. E funciona.
Seja na conversa com o pessoal da receita federal, ou tentando fazer sua família funcionar, ou reconhecendo os problemas de sua esposa (afinal, os rolos financeiros são culpa de Evelyn, no fim das contas), ele resolve tudo na conversa, com gentileza.
No começo do filme, quando temos Alpha-Waymond atuando, temos um herói masculino mais típico: ele é forte, ágil, habilidoso, cheio de conhecimento, mas logo vemos que ele não é o suficiente. A metáfora nem é tão discreta assim, quando ele morre e nos deixa com o Waymond comum.
Mas vale notar uma coisa: o tema de constância no multiverso se aplica também a ele. Mesmo Alpha-Waymond é gentil, pronto para acreditar nas pessoas, e em especial em Evelyn. Vemos isso, principalmente, no Waymond CEO no universo onde Evelyn é atriz.
Esse Waymond não quer saber de ser enrolado por Evelyn, e trocaria tudo que conquistou por uma vida pacífica e simples com ela. Ele deixa claro que é infinitamente gentil, mas que essa gentileza também significa respeitar a si mesmo.
No clímax do filme, é a proposta dele de gentileza que resolve a história. É com isso que Evelyn aprende e derruba os obstáculos, apresentando as alternativas mais gentis de todos que se opõe a ela e, claro, ela apresenta a si mesma esse caminho.
O terceiro olho na testa de Evelyn só poderia ser um dos olhinhos que Waymond cola nas coisas. Não havia outro jeito.
Como um bônus interessante, o próprio Ke Huy Quan, ator por trás de Waymond, repetidamente tem se mostrado um cara extremamente gentil, que não liga de saltitar ao ganhar um Oscar, chamar sua mãe na televisão e agradecer todos que o ajudaram. É um querido.