Sobre homens, mulheres e ursos (ou “O que fazer quando alguém tem medo de alguém como você”)

Rodrigo Ortiz Vinholo
3 min readJun 27, 2024
“The Three Bears”, Arthur Rackham’s illustration to English Fairy Tales, by Flora Annie Steel, 1918

Parece óbvio, mas nada reforça mais a sensação de insegurança que você transmite do que insultar ou ameaçar uma pessoa que diz ter medo de você. Menções a possibilidades de agressão ou morte dessa pessoa também não ajudam.

Se você não é uma pessoa muito online, talvez tenha perdido o meme internacional em que mulheres atestaram que preferem encontrar um urso em uma floresta do que um homem desconhecido.

O motivo é simples, e é aproximadamente esse: elas sentem que os ursos, por mortais que possam ser, são ameaça menor porque, diferente de muitos homens, não são ativamente mal-intencionados. Os ursos não verão o fato de estarem sozinhos como uma oportunidade. Ou, como já vi mais de uma mulher dizer, “o urso vai ‘só’ me matar”, ou “o máximo que o urso vai fazer é me matar.”

Frente a isso, as respostas de muitos dos homens não tem sido das melhores. Muitos apontam corretamente que o urso tem poder de matar… mas ao fazê-lo ignoram a mensagem básica da metáfora, então antes que o assunto se vá de vez no mar da internet, achei interessante registrar o caso e deixar minha opinião sobre o caso.

Não é confortável ser vítima de generalização, eu sei bem. Mas se a sua reação à generalização é apoiar o que está sendo dito a respeito… bem, você não está se ajudando ou ajudando os outros homens.

Se alguém fala que se sentiria mais seguro com um urso do que com alguém como você e sua primeira menção é algo envolvendo violência e morte, a associação que está sendo feita não vai ser algo que vai contra a imagem do urso, mas contra a sua. E quanto maior seu esforço, com insultos e ataques (inclusive, já vi casos, até com ilustrações), mais você reforça um ponto que não é exatamente o que queria fazer. Quanto mais intensas as tentativas para desmentir isso, menos crível você será.

Chega em um ponto em que parece que você está tentando reverter as coisas, que está desejando realmente que o urso cometa a atrocidade que você falou que ele pode cometer. E aí, mesmo que diga que não é a sua intenção você está deixando claro a mensagem que seu ego é tão frágil que você desejou a morte de uma pessoa porque ela te insultou. Não é bizarro? E mais, tem gente que prefere abordagens diretas, indo em comentários, mandando mensagens… Não te parece preocupante? Você não acha que a outra pessoa vai achar esquisito?

Já estou sendo repetitivo, mas reforço: se alguém fala que está com medo e a sua reação, em vez de tentar entender é reforçar o motivo do medo ou gerar uma defesa excessiva, você justifica o motivo do medo. E quanto maior seu esforço, mais difícil deixar claro que você é uma pessoa boa e bem-intencionada. Você discutir longamente, insistir, mandar DMs vai dar mais credibilidade à acusação de risco e violência do que o contrário.

Note que eu nem estou pedindo para você sentir culpa, ou você tentar reconfortar a outra pessoa. Isso porque não é assim que a questão se resolve. Se você é uma pessoa boa, é só não incomodar. Isso ainda tem a vantagem de deixar em evidência quem ainda é o problema, porque você não vai ajudar a criar uma cortina de fumaça que ajuda a generalizar todos os homens como ameaças em potencial.

Mas eu entendo parte do seu incômodo: você também se incomoda e teme que generalizações prejudiquem sua imagem e a de outros homens inocentes e bem-comportados. Soa justo. Mas sua resposta deve ser coerente, e você não vai convencer ninguém agredindo.

“Homens também podem ser vítimas!” Podem, mas isso não muda o medo que foi descrito “Mas existem pessoas agressivas de todos os gêneros!” Podem, mas isso não muda o medo que foi descrito. “Homens sofrem mais com saúde mental!” Sofrem, mas isso não muda o medo que foi descrito.

Se um urso abordar uma mulher em uma floresta e ela sobreviver, como geralmente acontece, ela não precisará se preocupar com ele se vingar, aparecer no endereço dela, perseguí-la em redes sociais. E se você não entende a “piada” nem assim… aí não sei mais o que te dizer.

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Rodrigo Ortiz Vinholo
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Written by Rodrigo Ortiz Vinholo

Publicitário, jornalista, escritor, professor e pessoa estranha.

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