Sobre a incerteza

Rodrigo Ortiz Vinholo
6 min readJan 29, 2021

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(Carta “A Roda da Fortuna” do Tarot Inensati. Arte por Igum Djorge, organização por Rodrigo Ortiz Vinholo e Pedro Hutsch Balboni. Adquira o seu clicando aqui.)

Recentemente, em uma conversa, cheguei a uma conclusão um pouco perturbadora: eu geralmente só faço uma leitura de cartas de tarot quando tenho medo sobre meu futuro.

Vale explicitar o contexto: eu gosto muito de oráculos em geral, em especial do tarot, ao ponto de chegar a ter lançado meu próprio com alguns amigos muito queridos. Mas enquanto esse tipo de ferramenta é útil em vários sentidos, tendo a recorrer a ele majoritariamente quando estou enfrentando algum tipo de medo derivado da incerteza.

Soa óbvio falando assim, né? Mas na prática o uso de oráculos pode ser parte do dia a dia das pessoas, para análises, e mesmo as previsões não necessariamente dependem do medo. É possível ter incerteza sem medo, e é possível analisá-la com outros sentimentos.

Ouso dizer que todo mundo gosta de controle. Alguns mais que outros, mas no geral todo mundo quer sentir que tem as rédeas do destino nas próprias mãos, de alguma forma.

A questão é que nós temos um poder limitado para controlar a incerteza. Por maior que seja nosso poder de ação — ou influência, poder financeiro, ou tantos outros que ajudam a reduzir incerteza — nós nunca temos controle absoluto sobre todas as variáveis. E isso dá medo.

Basta olhar para nossas vidas. Hoje estamos no início de 2021. Um ano antes, qualquer notícia sobre o Coronavírus falava de uma possibilidade vaga, de um risco que talvez não chegasse em nós. Milhões de mortes depois, olhar para trás é um exercício surreal, que fizemos vezes demais no último ano e que continuaremos a fazer por um bom tempo.

Mesmo olhando em uma escala menor, toda a batalha por vacinas teve mudanças diárias em poucos meses, e agora o que parecia que levaria muito mais tempo já começou, pessoas estão sendo vacinadas e, esperamos, logo a situação deve começar a melhorar.

Em tudo isso há a onipresente incerteza. Nós temos muito clara a consciência de que um evento de escala global como uma pandemia pode acontecer, e junto dele a consciência de sua raridade. O mais provável que aconteça é o que vem acontecendo desde sempre.

Isso faz com que fiquemos um pouco perdidos.

Desde sempre os seres humanos contam com tentativas de maximizar a certeza. Nós estudamos a realidade e tentamos domá-la até onde podemos. Quando chegamos ao que não podemos, nós buscamos usar do sobrenatural, de um jeito ou de outro. E quando não temos o sobrenatural, ou ele não oferece certeza o suficiente, nós temos o otimismo ou, ao menos, a complacência.

É engraçado pensar nisso. Muitas pessoas falam grandemente sobre o espírito humano, sobre fé e resistência e perseverança, mas eu acredito que somos muito mais simples do que isso. Nós somos seres muito mais felizes do que toda nossa crença sobre o pior de nós mesmos. Digo isso porque ainda que a realidade seja dura demais para muitos de nós, a maior parte possui a capacidade de continuar vivendo.

Por vezes alguns de nós desistem da vida e acabam com ela. Por vezes alguns de nós desistem das circunstâncias e revolucionam as próprias vidas e até, quem sabe, partes do mundo. Mas a maior parte de nós existe simplesmente sobrevivendo, e não há nada de errado nisso.

Nós fazemos uma conta simples e estranha, um cálculo que aponta que ou as alternativas serão ruins o suficiente para não as escolhermos, ou continuar é bom o suficiente para que sigamos. E aqui a conversa de certeza e incerteza se torna fundamental.

Pense bem: nós sempre temos algum nível de incerteza, mas também temos algum nível de certeza. Se os dias de nossas mortes fossem fixos e previsíveis, nós nos planejaríamos em relação a eles mas, não sendo, nós vivemos com base do que sabemos sobre mortes prováveis. Nós sabemos mais ou menos o quanto pessoas vivem, dentro das características demográficas e familiares, e dentro de nossas ocupações, classes sociais e outros tantos fatores. Nós não saímos todos os dias com medo de sermos atropelados por um ônibus, porque isso não é uma morte provável, mas podemos até nos preocupar com a morte por violência urbana, se fizer sentido para a área em que vivemos.

Em circunstâncias normais, nós não tememos ativamente a violência onde sabemos que ela não ocorre. Em circunstâncias normais, nós não esperamos uma pandemia. Nós esperamos o padrão que encontramos até aquele momento, com os mesmos altos e baixos. Do mesmo modo, não esperamos nenhuma surpresa positiva que saia de nosso histórico de realidade.

Ainda assim, em nossas vidas, é difícil esquecermos dessas situações. É difícil quando algo ruim acontece não esperarmos em seguida algo pior ou ao menos tão ruim quanto o que já vimos. É por isso que para pessoas ansiosas qualquer mudança tende a ser vista como ruim, porque ela é a possibilidade da repetição de algo ruim. É a perda de controle.

A incerteza contém toda a possibilidade do mundo, e isso é terrível e maravilhoso. Só que não é tão simples escolhermos em que acreditar.

Frente à incerteza, como muitas pessoas, eu tendo a temer pelo pior, mas descobri que por menor que seja, uma esperança, mesmo infundada, me acalma. Isso é parte daquilo que eu falei do espírito humano. De um otimismo peculiar, da espera de milagres que é o que dá força tanto a teorias da conspiração quanto aos sonhos mais ambiciosos que existem.

Mas isso, no meu entendimento, não é necessariamente bom. Algo que aprendi é que, se minha capacidade de sobreviver no mundo é baseada na mesma força que faz um maníaco de conspiração se basear em qualquer coisa circunstancial para escolher no que acreditar e como agir, mesmo que eu não seja tão ruim quanto ele, não estou na melhor das condições.

É sábio olharmos para a incerteza e tê-la em nossas mentes de alguma maneira, mas fazer isso de modo saudável é uma linha tênue. Se ignoramos a incerteza completamente, somos pegos de surpresa. Se ela é o que está em nossas mentes o tempo todo, somos paralisados. Isso nos deixa em um campo estranho, onde temos que admitir que mesmo nossos planos mais embasados podem sofrer uma rasteira do destino, e que mesmo a maior das roubadas pode ser salva por um milagre de última hora.

Então temos que caminhar sabendo que tanto rasteira quanto milagre podem ou não existir, e que nós jamais saberemos de onde eles virão, caso venham. Assim, a questão final é sobre controle. Nós jamais poderemos prever tudo, nos preparar para tudo e evitar tudo, e o esforço para tentarmos nos aproximar disso é tão cansativo ao ponto de se tornar debilitante.

E aqui eu volto às cartas. Para mim, lidar com a incerteza tem sido um exercício similar a não usar o tarot apenas quando as coisas apertam.

Se eu uso as cartas para analisar a mim mesmo e às circunstâncias quando eu não as temo, eu entendo mais para o mundo.

Fora das cartas, eu faço o mesmo com a minha consciência e minha percepção do mundo, e acredito que exista uma solução mesmo para aqueles que não são afeitos a oráculos: se eu temo o futuro, eu tento entender porque o temo, e o que eu posso fazer a respeito dele. E chega um ponto em que eu vou bater em uma parede, seja de recursos, conhecimento ou possibilidade, porque a realidade tem seus limites.

Me resta, aqui, o exercício de continuar trombando com a parede, me preocupando e tentando achar uma solução que já atestei que não existe. E existe a possibilidade de investir energia em outro canto, com algo diferente. A escolha final fica clara, colocando em termos tão simples, não?

E não estou falando que é fácil, porque digo é simples. Só que não é tão difícil quanto nós nos acostumamos a esperar. Experimente, quando tiver a oportunidade: se o futuro te assombrar, olhe toda a incerteza ao redor dele, e olhe ele mesmo com um filtro de incerteza. Muitas vezes ele é um fantasma, ou se torna assim que entendemos que se não há ação cabível, não há como sofrermos por ausência de ação.

Quem disse que incerteza é ruim? Seria o mesmo que dizer que a existência é ruim. Pode ser difícil, pode ser estranho, pode ser complicado. Mas “ruim”? Jamais. Ou, pelo menos, nunca totalmente.

Quanto mais queremos controlar a incerteza, mais sofremos. Note que não falo de reduzir a incerteza, mas “controlar”. O que naturalmente diminui não nos fere, mas tentar comprimir ou manipular o que sobra se torna tortura. E não sei vocês, mas eu já cansei de me torturar.

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Rodrigo Ortiz Vinholo
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Written by Rodrigo Ortiz Vinholo

Publicitário, jornalista, escritor, professor e pessoa estranha.

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