Quem você pensa que é?
Não, sério. Eu realmente fiz essa pergunta pra você que está lendo: quem você pensa que é?
Se você fosse responder essa pergunta pra qualquer pessoa, o que diria? O que colocaria em uma biografia ou descritivo curto a seu respeito?
Não quero saber nada metafísico, nada espiritual. Pense no que você faz, do que gosta e desgosta, na maneira que lida com pessoas, nas atividades que faz, no que gostaria de fazer.
Onde nasceu? Quando? Você gosta de café? Tem algum bicho de estimação? Qual sua cor favorita? Como você passa o tempo? Qual o seu sonho? Em que posição você dorme? Qual o seu temperamento? Qual sua filosofia de vida?
E aí vem uma pergunta: a pessoa que você pensa que você é, é realmente quem você é? Tudo isso é verdade?
Não precisa me responder, mas pense que se você se incomodou com a pergunta, pode ser o momento de pensar bem no motivo.
Todos os dias, nós reafirmamos para nós e para os outros algo sobre o que pensamos que somos. É um exercício tão fácil de fazer que mal precisamos pensar nele. No máximo, nós filtramos o que queremos que as outras pessoas pensem sobre nós, ou pensem que pensamos sobre nós. É só olhar qualquer rede social para entender isso.
É tão fácil de fazer que nós sequer notamos quando é que pensamos algo sobre nós que não é exatamente verdade, simplesmente porque temos o hábito de fazê-lo.
Só que colocar em palavras não é fácil pra todo mundo, porque envolve descrever, mais do que agir. E pode envolver aquelas partes de nós que raramente definimos em palavras.
E, pior, isso pode gerar um conflito entre nossas expectativas e a realidade.
Sabe quando alguém te descreve de uma maneira que não faz sentido pra você? Nosso reflexo tende a ser a rejeição dessa descrição, seja ela boa ou ruim.
Só que a rejeição não quer dizer necessariamente que a descrição está errada. Muitas vezes, objetivamente é o caso, mas em outras tantas reagimos assim porque o que foi apresentado é diferente da ideia que temos de nós mesmos, ou de nossas expectativas, ou de nossa régua de medição do mundo.
Eu tenho 1,85m de altura. Eu sou alto pra maior parte das pessoas. Mas posso ser baixo para alguém que more em um lugar cujos habitantes têm altura média de 2m. A pessoa não está errada, e nem eu. Não importa como classificarem, a minha altura continuará sendo 1,85m. Só estarão errados se disserem que isso é diferente. O resto, geralmente não.
De novo: a pessoa que você pensa que você é, é realmente quem você é? Tudo isso é verdade? Isso que você é segue consistente em sua própria régua? E na régua dos outros? Qual delas importa?
A grande questão é que se entendemos o que somos e como pensamos que somos e como as outras pessoas nos entendem e pensam que nós somos, fica mais fácil para termos e sentirmos que temos liberdade.
Uma regra que cada vez mais me parece fazer sentido para ter alguma paz e liberdade no nosso mundo é a seguinte: a não ser que seja inevitável, não se descreva.
Existe uma frase clichê de descritivos de redes sociais que diz que “quem se descreve se limita”, e ainda que seja piegas, há certa verdade nisso. Quando nos descrevemos, nós nos sujeitamos à percepção externa do descritivo que empregamos.
Se eu disser “eu não como carnes”, o que você entenderá? E se eu disser “sou vegetariano”? Para muitas pessoas, o segundo caso pode criar a impressão de que sou um chato com um ativismo agressivo, e que sou maníaco por soja e salada, enquanto o primeiro uso passará longe dessas impressões.
Mesmo conceitos como “honesto” ou “calmo” ou “bom” são relativos. Mesmo “bonito” ou “feio”, mesmo “certo” ou “errado”. Sei que não falo nenhuma novidade aqui, e sei que existem definições amplas desses termos para diferentes sociedades, mas nossa capacidade de discordar de alguma dessas definições já nos diz muito.
Mas não deixe isso, é claro, impedir que você ouça o que as outras pessoas tem a dizer. Nós só vivemos com nós mesmos de dentro pra fora. Quem está do lado de fora nos atura de um modo que nunca conseguimos compreender totalmente, então sempre é útil ter esse tipo de descrição.
Quer descobrir como você é? Quer se descrever? Peça feedback. Peça que as pessoas falem sobre você e sobre o que você faz, e ao fazê-lo, peça que sejam precisas.
E lembre-se sempre que elas estão erradas, pelo menos um pouco.
E lembre-se sempre que você também provavelmente errou alguma coisa (ou muitas) nas suas próprias análises.
Mas ainda há valor nisso.
Quando você se descreve, você tem seu próprio tendenciamento e vai ver apenas algumas coisas e apenas de maneiras específicas. Os outros, quando te descrevem, também. E tem as coisas que nem você e nem os outros veem. E às vezes essas te pegam de surpresa.
Se você se apega muito a uma ideia pronta ou a uma análise específica, a surpresa pode te prejudicar, ou se esconder rapidamente depois de surgir, te deixando sem entender, e talvez até te dando percepções erradas sobre quem você efetivamente é.