Patriota de verdade

Rodrigo Ortiz Vinholo
6 min readApr 28, 2022
“Pátria” (1919), de Pedro Bruno

Já faz um tempo que eu vejo as pessoas usarem a palavra “patriota” de tudo quanto é significado, e a maior parte deles não faz sentido para mim.

Em definições de dicionário, um patriota é alguém que ama sua pátria e que tenta servi-la, na medida do possível. Só que a realidade mostra que essa definição é muito vaga, porque as pessoas não têm um consenso sobre o significado exato do que é amor à pátria, nem como exprimi-lo, e muito menos do que significa “servir à pátria.”

Pra uma pessoa, ter uma empresa estatal e protegê-la é ser patriota, porque isso é algo “do país”. Para outros, esse tipo de coisa só atrapalha. Os dois podem ser considerados patriotas ou antipatrióticos por pessoas diferentes.

Eu fiquei pensando, então, e cheguei a algumas conclusões sobre o que isso significa para mim, e por que eu acho várias definições de patriotismo (e as pessoas que as utilizam) completamente imbecis. A vantagem, aqui, é que esta definição serve para definir patriotismo basicamente em qualquer país e contexto, porque estou sendo amplo o suficiente para isso na maior parte dos aspectos.

Vamos lá, começando pela mais óbvia: você não é um patriota de verdade porque você faz o juramento à bandeira, nem porque você tem uma bandeira, nem porque você usa uma camisa com as cores da bandeira, nem porque você leva uma bandeira em uma manifestação política, nem porque coloca no seu carro ou casa, nem porque você coloca uma bandeira no seu avatar de rede social, ou ao lado do seu nome, e muito menos porque usa emojis de bandeira. Você não é patriota por conhecer o hino, e também não é patriota por cantá-lo, ou escrevê-lo, ou compartilhá-lo.

Você não é um patriota por achar que o seu país tem que ser igual ao que foi no passado. Inclusive, porque sua ideia de “como ele foi no passado” certamente se refere a algum passado específico, caso contrário, você não poderia, por definição, apoiar o país. Do mesmo modo, tentar impedir que ele mude não te torna patriota.

Você não é patriota se não consegue reconhecer os problemas do que você acha patriótico, ou de quem você acha patriota. Isso também significa que você não é patriota se você é incapaz de reconhecer que a pátria pode ter trilhado caminhos ruins, e que nem todas as pessoas que foram importantes para ela foram sempre boas, ou mesmo não foram boas em momento algum.

Você não é patriota se você idolatra qualquer imbecil que tenha formado a pátria como conhecemos, especialmente se essa pessoa teve que fazer coisas ruins para o país existir como existe hoje.

Você não é patriota por puxar o saco de outros países, ou de interesses de outros países, ou, claro, de pessoas contemporâneas, que podem ou não se dizer patriotas.

Você não é patriota por morrer pela pátria, ou dizer que morreria. Se todos nós morrêssemos pela pátria, ela não existiria. Quem fala em morrer pela pátria geralmente ou é deslumbrado, ou quer te convencer a virar bucha de canhão para alguma causa em que ele mesmo não se sacrifica. Mártir de verdade não quer que ninguém seja mártir.

Você não é patriota por querer uma guerra para provar uma coisa, ou para conquistar outro povo, ou para provar que você é superior a ele. Quem faz isso é só um tipo de psicopata usando uma retórica boba como pretexto.

Você não é patriota por gostar, ou dizer que gosta de certas coisas que diz serem “identidade nacional”, enquanto ignora ou combate outras que, por menos que você goste, também são. Você não é o árbitro disso, não importa a sua identidade, cargo ou erudição. Não é a sua música, a sua arte, a sua filosofia que definem a identidade das outras pessoas, e se você usa patriotismo como pretexto para definir isso, isso diz muito sobre você e sua noção de patriotismo.

Todas essas coisas que eu listei acima são comportamentos que considero infantis, inseguros, ruins e por vezes até mal-intencionados e desonestos. A lista poderia continuar, mas creio que toquei nos principais pontos.

Para mim, o critério para definir um bom patriota é bem parecido com o que eu uso para definir uma boa pessoa.

Um patriota é interessado em respeitar a lei e a ordem de seu país. Mas ele também pode questionar a lei e a ordem porque entende que essas devem servir ao país, e não prejudicá-lo.

Um patriota trata as pessoas bem. Isso significa tratar as pessoas do próprio país como as de outros. Você acha que é normal que as pessoas fiquem brigando umas com as outras, que estejam sempre tentando levar a vantagem e ver os outros para baixo? Isso é coisa de gente má, mesquinha ou com questões mal-resolvidas. Por que raios eu transmitiria esses problemas para a expectativa de relações do meu país com outros?

Entendo, assim, que o patriota não tem a expectativa que seu país se dê bem em uma guerra, mas que ele consiga conviver tão bem com os outros sem que isso o prejudique ou prejudique sua população e as outras, que a ideia de uma guerra seria impensável e ilógica. Um patriota de verdade gosta que as pessoas vejam seu país como um lugar bom, e seu povo como um povo bom, e ainda faz isso com a tranquilidade de quem sabe que se impor é nocivo.

Aliás, aí está outro ponto: um patriota de verdade respeita o que é parte de sua identidade. Claro que ele pode (e deve!) admirar e respeitar outros países e pessoas, mas ele sabe que qualquer idolatria é ridícula, e que amizade e alianças não são verdadeiras se elas significarem a negação dele mesmo. É como em qualquer relacionamento humano: se você deixa de ser você por conta dos outros, você realmente está com um problema. Um patriota entende, também, que pessoas mudam, e que o país muda, e que se acontece sem imposição e controle, é uma mudança orgânica, a ser respeitada.

E, claro, um patriota, por ter uma preocupação com o país, quer que ele esteja bem. Assim, ele irá encarar com olhos desimpedidos os problemas não para escondê-los, mas para atendê-los com urgência. E se alguém apontar algo de errado, não se irritará com a pessoa e tentará esconder o problema porque isso ataca ou ofende suas ideias, ou seu líder, ou seus aliados, mas aceitará que um problema é, de fato, um problema.

Se alguém aponta para um patriota que há algo de podre na pátria, o único contexto em que isso deve ser ofensivo para ele é por ele não ter visto antes. O patriota de verdade não esconderá, não arranjará desculpa para não consertar, não tentará convencer que aquela podridão é natural ou necessária, e não atacará aquele que a apontou.

Um patriota de verdade não defende uma única religião, especialmente se a pátria é laica, mas mesmo que não fosse, porque entende que seu país não é composto apenas por ela. O mesmo ocorre com etnias. O mesmo ocorre com culturas, dialetos e outros pontos da pluralidade de um povo. Um patriota de verdade é respeitoso com todos que são parte dela, e isso se dá também no seu tratamento diário. Um patriota de verdade não é segregador. Um patriota pensa mais em termos de alianças e menos de conflitos e inimigos.

Um patriota de verdade, por fim, não usa o patriotismo como pretexto. Como a pessoa que é boa legitimamente e não precisa ficar explicando e expondo a bondade, o patriota não precisa ficar esfregando na cara de ninguém quando está sendo patriota.

E, finalmente, um patriota sabe que uma bandeira é um símbolo, mas que ela nunca deve ser algo mais importante que qualquer uma das instituições e pessoas que compõe o que ela representa.

Desconfie de quem agita bandeirinha demais e fala demais sobre patriotismo. Geralmente, essa é a pessoa mais antipatriótica de todas, e quer usar isso para te enganar.

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Rodrigo Ortiz Vinholo
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Written by Rodrigo Ortiz Vinholo

Publicitário, jornalista, escritor, professor e pessoa estranha.

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