Para ser legal com as pessoas, você não pode ser legal com todas as pessoas
Este não é um texto muito original, mas acho que é necessário que ele esteja aqui. Falar e repetir o óbvio pode ser muito importante.
Existe uma noção que as pessoas têm, geralmente vaga e ampla, que a boa convivência com os outros indivíduos de uma sociedade significa que você deve aceitar toda e qualquer ideia e praticamente todo comportamento que seja previsto em lei e certas normas sociais (e mesmo alguns que estão à margem disso), afinal todas as pessoas tem os mesmos direitos, e são iguais perante a lei. Alguns diriam, ainda, que somos iguais perante sua divindade de escolha, ou à luz de certos alinhamentos filosóficos.
Em linhas gerais, isso é realmente a base para se dar bem com as pessoas. Respeitar as pessoas, deixar que elas sejam livres e felizes. Mas nós geralmente gostamos tanto de universalizar essa ideia que acabamos por aceitar algumas besteiras. Então eu preciso lembrar que, para uma vida saudável em sociedade, isso não pode acontecer.
Aqui é onde você talvez já concorde comigo, ou talvez já esteja se perguntando se estou pregando alguma coisa horrível, como segregação, violação de direitos, coisa assim.
É o contrário disso.
O que estou dizendo é que é impossível aceitar tudo, porque chega em algum momento em que haverá incompatibilidades. Como o título adiantou, para ser legal com as pessoas, você não pode ser legal com todas as pessoas.
Pense assim: se eu sou legal com quem quer meus amigos mortos ou sofrendo, eu não sou legal com meus amigos.
Agir com civilidade tem um limite, e esse limite termina em qualquer ato de violência, em qualquer sentido da palavra. Eu posso ser incondicionalmente respeitoso, mas somente enquanto isso não servir como um meio de proteger a fala ou os atos que eu discordo e que são violentos contra princípios que me são caros.
Você pode até querer discutir o que significa violência, mas convenhamos que você sabe. Violência agride, invalida e prejudica. E não, não importa o que você diga, uma pessoa existir não é nunca uma violência, e querer respeito mínimo por ser quem é também não é uma violência. Já o respeito a quem faz um ato de violência é inviável.
Respeito implica em aprovação em alguma medida, então não é possível respeitar quem gostaria de pisar em meu pescoço e apontar uma arma na minha cabeça, porque se eu respeito quem pensa assim, eu estou dizendo que essa pessoa está no direito de agir assim.
Se eu sou legal com quem quer meus amigos mortos ou sofrendo, eu não sou legal com meus amigos. Ao ser legal, eu acabo dizendo que é aceitável que essa pessoa pregue a morte e o sofrimento deles. Se eu sou legal com quem quer o meu mal, eu não sou legal comigo.
Não serei original ao citar o Paradoxo da Tolerância, de Karl Popper. Também não serei original em lembrar de uma frase, atribuída na internet como um ditado alemão: “Se um nazista se senta à mesa com 10 lessoas e ninguém se levanta, então há 11 nazistas.”
Recapitulando: é inaceitável que eu dê o espaço e a cordialidade que permito às pessoas civilizadas àqueles que querem destruir tudo isso.
“Você é contra a liberdade de expressão, então?” Se você fez essa pergunta a esta altura do texto, eu vou achar que você está agindo de modo propositalmente desonesto. O que me leva a um cuidado: eu tenho consciência de que esse discurso pode ser facilmente cooptado exatamente por as pessoas que estou dizendo que não devem ser toleradas.
Mas eu vou explicar: uma pessoa que diz que uma parcela da população é subumana, ou que deve morrer, ou que não deve ter os mesmos direitos que outras, entre tantas outras desgraças, não é a mesma coisa que uma pessoa que diz que alguém não deveria pregar essas coisas.
Eu sei que soa óbvio, mas se alguém fez a comparação, isso precisa ser reforçado. Uma pessoa que prega a morte de alguém que não gosta não é equivalente à pessoa que diz que isso não deveria acontecer, mesmo que o método dessa segunda, em um ato de resistência à violência, pode ser violento.
E não estou apoiando qualquer tipo de violência. Se você acha que eu disse isso, você precisa ler novamente. Ou deixar de lado a desonestidade que você incorporou para interpretar o que eu disse.
Por isso, nunca espere de mim qualquer defesa à liberdade total de expressão, acrítica e sem consequências. Nunca espere de mim apoio, perdão ou licença a qualquer pessoa que vá contra os princípios que me são mais caros, não importando o que mais elas possam ter feito que você considere que seja bom.
Eu acho que o mundo é um lugar melhor quando racistas, homofóbicos, nazistas, fascistas, machistas e tantos outros estejam com medo de expressar suas opiniões imbecis e de agirem em nome de suas filosofias imbecis. Permitir que eles estejam atuando pode não me tornar cúmplice, mas me torna conivente.
“Ah, mas é a filosofia que eu sigo…” Para mim, sua filosofia é inaceitável.
“Ah, mas é a tradição…” Para mim, essa tradição é inaceitável.
“Ah, mas é minha religião…” Para mim… adivinha? Inaceitável, sim. E digo mais: você provavelmente é uma pessoa desprezível que usa sua religião para legitimar suas ações, não uma pessoa que mudou seus atos por conta da religião. Caso contrário, você provavelmente estaria focando muito mais na parte da sua religião que fala de amor. E você sabe que essa parte é muito maior do que a que fala que alguém deve ser morto ou sofrer.
É impossível ser legal com todo mundo sem ser legal com quem não é legal. Não seja legal com todo mundo.