Os compromissos da mudança
Você certamente já mudou de ideia alguma vez na vida.
Falo isso com a segurança de quem sabe que é impossível não mudar de ideia sobre algo, nem que seja algo à primeira vista sem importância. O exemplo mais óbvio e inegável é que nossos gostos, prioridades, entendimentos e opiniões sobre o mundo mudam drasticamente dos zero aos dezoito anos. Isso que eu acabei de dizer é óbvio ao ponto de soar estúpido, certo? Mas é justamente o ponto que eu quero chegar: do mesmo modo que o amadurecimento como processo de crescimento natural ocorre, a mudança de ideia também ocorre.
Só que aí que está a questão: para muitas mudanças de ideia que temos na vida, nós acabamos tendo que assumir compromissos morais bem específicos e, por vezes, complicados. E enquanto eles não ocorrem, ou ocorrem sem problemas, quando estamos falando de nosso crescimento ou de qualquer mudança de opinião inócua, quando há algumas alterações importantes, do tipo que alteram a sua vida e das pessoas ao redor, fica difícil fugir dessas questões.
Vamos por partes.
Opiniões fazem com que você tome ações. Enquanto muitas são de foro íntimo, como sua opinião sobre molho de tomate ou seu cacto favorito, outras influenciam outras pessoas, como, por exemplo, sua opinião sobre a correlação entre os direitos básicos das pessoas e a etnia delas. Pode-se argumentar que uma opinião racista não é um problema enquanto não for exprimida, mas se ela leva a ações racistas, ela é. E, lembrando, a exposição de apoio é racista, e muitas vezes a exposição acrítica de uma ideia racista, também.
Do mesmo modo, se você, por exemplo, é um professor que tem a opinião (ou crença) de que a Terra é plana e você resolver ensinar isso aos alunos, você vai ensinar uma informação errada a esses jovens.
Assim, por mais que a palavra “opinião” muitas vezes se disfarce de algo totalmente individual e, portanto, inquestionável, é preciso reconhecer que existem opiniões erradas, porque elas existem em relação a outras coisas, seja outras convenções ou a própria realidade. Não é possível ter a opinião de que a Terra é plana e ter essa opinião respeitada como “certa”, porque ela é objetivamente errada. Não é aceitável ter a opinião de que pessoas que gostam de suco de tomate devem morrer, porque ela é contra tudo que entendemos de leis, moral e lógica.
Em oposição a isso, eu não posso falar que você está “errado” por não gostar de suco de tomate. Mas também não posso falar que está “certo”. As duas opiniões só poderiam ser consideradas em relação à minha própria lógica, que não corresponde ao resto do mundo.
Mudar de ideia sobre suco de tomate, assim, não tem peso algum na maior parte dos casos, e portanto traz pouca ou nenhuma responsabilidade. Mudar de ideia sobre matar pessoas, ser racista ou pregar algo objetivamente incorreto como a Terra plana, por outro lado, traz um compromisso considerável.
Veja, não me entenda mal. Você pode mudar de ideia. É ótimo mudar de ideia! Significa que você considerou algo novo, diferente, que refletiu. Mas é importante lembrar que é necessário reconhecer que você já teve outra opinião, que já esteve errado, e que tinha alguém certo, mesmo que você não gostasse.
É aí que está a coisa: quando você tem uma opinião, você geralmente sabe de alternativas a ela. Você discorda de outras opções, o que significa que você as considera piores, ou erradas. E você sabe que opiniões não existem espontaneamente, mas em outras pessoas. Ou seja, ter uma opinião necessariamente significa discordar de alguém. Se você não discorda de ninguém, você não tem opinião, porque não é possível, por definição.
O único momento em que você pode não ter uma opinião é quando você não conhece aquilo a que ela se refere. Antes que alguém pergunte, é claro que é possível se abster de expor uma opinião frente à falta de conhecimento, mas qualquer conhecimento parcial já geral a possibilidade de opinião. Na prática, podemos dizer que praticamente todo conhecimento é parcial, porque nunca conseguiremos a totalidade de informações sobre tudo, mas essa é outra discussão. O ponto aqui é: você sempre terá uma opinião.
E aí digamos que você defende uma opinião e age em cima dela. Depois, um dia, seja porque você pensou melhor, ou porque conheceu mais opções, ou porque teve mais informações sobre sua opinião original, ou qualquer outra coisa, você muda de ideia. Por mais que você sinta vergonha ou raiva, por mais que tenha teimosia, se você não reconhecer que mudou de opinião e que alguém já tinha essa posição antes de você tomá-la para si, você demonstra uma falha de caráter considerável.
Veja, não estou exigindo uma retratação pública (ainda que existam casos que seriam beneficiados por isso). O que apoio, aqui, é que você tome todas as atitudes que sejam cabíveis para consertar os erros que foram cometidos enquanto você teve essa opinião, dentro do que for possível, e assuma verdadeiramente um compromisso de evitar que esse comportamento pregresso volte a influenciar suas ações.
Isso inclui, e pode ser muito difícil, por vezes, entender que as pessoas poderão cobrar de você essa mudança, e poderão interpretar hipocrisia, contradição e falta de lógica nas suas atitudes. E a resposta a isso envolve reconhecer não apenas os próprios erros, mas a posição correta das outras pessoas, por mais que você possa não gostar delas.
Não fazer isso é se colocar em uma posição indigna de confiança, porque denota falta de compromisso com qualquer coisa que você faça ou fale. Significa que suas opiniões estão sendo escolhidas por conveniência ou emocionalidade.
Há quem diga que ninguém pode convencer as outras pessoas, que somente as pessoas se convencem. Apesar de algumas ressalvas, eu acredito nessa máxima, porque eu cada vez mais vejo que, mesmo frente a dados inegáveis, as pessoas preferem manter-se fiéis às suas convicções, porque negá-las seria aderir mesmo que tangencialmente a posições que não querem reconhecer, ou porque machucaria seus egos. É por isso que, no geral, é tão difícil admitir que outra pessoa tem razão, mesmo quando estamos convencidos, porque admitir que a outra pessoa está certa significa não apenas admitir que você está errado, ou esteve errado, como é dar a “vitória” a uma pessoa que você não gostava e talvez continue não gostando.
É por isso que nós vemos muitas pessoas sempre lutarem, também, para defenderem ideias inquestionavelmente erradas, porque elas precisam manter essa “vitória”, precisam se manter “certas”. Mudar de ideia e não admitir que houve a mudança, ou reconhecer que um dia sua posição foi outra pode até ser melhor do que se manter errado por uma questão de orgulho, mas não deixa de ser ruim.
Repito e resumo: mudar de ideia sem reconhecer que alguém já tinha essa posição, especialmente quando a pessoa estava certa e você estava errado, é uma concessão que deveria tornar todas as suas opiniões nulas. Porque significa que a sua motivação para aderir a uma posição não é racional ou, se racional, é por conveniência.
Por isso, minha recomendação é que pratiquemos isso. Não mudanças desmesuradas de opinião, mas o exercício de humildade de reconhecer nossos erros, quando eles acontecem. E eles vão acontecer, mesmo com toda estabilidade do mundo. Nós vamos errar em opiniões, escolhas e palavras. Às vezes, é mais fácil admitir para os outros do que para nós mesmos, outras vezes, o contrário é o verdadeiro.
O importante é que, quando aprendemos que há mais valor em admitirmos e reconhecermos uma mudança como uma melhoria, nós nos apegamos menos a estarmos errados, ou aos erros que cometemos antes. E, a partir disso, ganhamos uma força maior para enfrentar as próximas ocasiões.
E, claro, trata-se de um jeito de viver muito mais ético do que a insistência ignorante e teimosa, se recusando por se recusar, mesmo à frente da verdade inegável.