O compromisso com o que você quer
Eu faço muita coisa. Sempre estou trabalhando, estudando, escrevendo, lendo. Arranjo mil projetos para fazer e às vezes até exagero. Mas uma coisa que eu dificilmente faço é abandonar um projeto, ou não deixar de ter uma rotina de produção.
Para vocês terem uma ideia, eu tenho uma rotina de escrita de ao menos 1000 palavras por dia, e eu a mantenho há anos. Eu escrevo de tudo um pouco, mas escrevo. Se perder a meta, ela se acumula para outros dias, então eu nunca deixo de ficar sem escrever o tanto que me comprometi.
Eu escrevi este texto porque muita gente me pergunta qual o segredo, como é que eu faço um coisa ou outra. Eu não quero vender soluções, nem fazer propaganda de nada. Poderia falar de minha prática do DeRose Method, ou da minha aplicação do método GTD de organização, ou passar mil instruções específicas. Mas não é isso que eu quero fazer aqui. Eu quero passar o básico, que é o que eu sinto que falta para muitas pessoas.
Três dicas, duas fáceis e uma mais complexa. Começando pelas fáceis, a primeira: tenha uma agenda ou qualquer outra maneira de organizar sua vida. A segunda: tenha listas de tarefas, na agenda ou fora dela, e mantenha esse sistema atualizado para não se perder.
E aí, a terceira: tenha compromisso com o que você quer fazer. Na minha visão, boa parte dos problemas das pessoas que chegam até mim e falam “Rodrigo, como você mantém a disciplina?” é porque elas não tem compromisso com o que querem fazer.
Não leia isso como uma critica, e não pense que eu estou falando isso da posição de alguém que tem tempo de sobra e está julgando pessoas sem tempo ou menos privilegiadas, porque tudo que eu vou falar aqui se encaixa para qualquer tipo de aplicação, e raras são as pessoas, no meu entendimento, que não vão aproveitar ao menos um pouquinho.
Aqui é a parte em que a conversa fica longa, porque precisamos primeiro entender direito o que isso significa.
Pense comigo: quando você está no trabalho, você tem um compromisso com o trabalho. Quando está na escola, ou na faculdade, você tem um compromisso com o estudo. Nos dois exemplos, esses compromissos são com você — seja por salário, nota, desejo de aprender, desejo de crescer, sentimento de dever ou qualquer outra motivação — , mas também são com os outros. Você responde a chefes, clientes, professores, inspetores, bem como à expectativa de seus pares, amigos, familiares e tantas outras pessoas.
A partir do momento em que outras pessoas estão envolvidas, é muito mais fácil você ter compromisso. Você pode estar odiando o que está fazendo, mas você não quer decepcionar as outras pessoas, ou simplesmente combinou com elas que seria assim. Você se comprometeu. É por isso que é mais fácil pra muita gente fazer exercícios em grupo, por exemplo.
Agora, quando não tem mais ninguém cobrando, nós temos uma tendência a dar menos importância ao compromisso. O compromisso que temos com os outros é geralmente tratado como mais importante do que o compromisso que temos com nós mesmos.
Estou aqui para dizer que isso é completamente errado. O compromisso que temos com nós mesmos é tão ou mais importante do que o que temos com os outros. E mais: se em uma meta o compromisso com os outros deixou de existir, se o compromisso é com você, não há motivo para perder a motivação para continuar trabalhando no que você deseja.
A partir do momento em que tratamos essas ideias como fato, damos um passo enorme em direção a conseguir o que queremos. Você não vai escrever aquele livro porque alguém está esperando ele, mas porque você quer. Você não vai correr todas as manhãs porque alguém quer você de um jeito ou de outro, ou para não levar bronca de seu médico, mas porque você quer.
Você tem que começar a entender que manter um compromisso com você é uma dívida de honra com você mesmo. É um sinal de respeito aos seus próprios desejos e necessidades. É um sinal de amor próprio. É uma atitude moral.
É moral que você tenha uma agenda, ou uma lista de tarefas, ou qualquer outro meio de organização. É moral que você tenha um compromisso com o que você quer e precisa — sendo que “precisa” também inclui o cumprimento de seus próprios desejos.
Entende? É moral. Do mesmo jeito que é imoral você desrespeitar um compromisso assumido com outra pessoa, é imoral fazer o mesmo com você.
Isso é tudo que eu queria dizer aqui. Isso é o que eu quero que você aprenda. Essa visão de mundo com ar de auto-ajuda — e que é, de certo modo, e eu falo sem vergonha alguma. Mas como eu adoro escrever e explicar coisas, eu vou colocar para você alguns truques que ajudam a colocar tudo isso na prática.
O primeiro truque a ser aprendido aqui, então, é: assuma compromissos com você, e os cumpra com a mesma ou com maior seriedade do que os que você tem com os outros.
Mas aí chega um momento de distinção importante: o que é motivo de se criar um compromisso? Afinal, se você está aqui, você provavelmente é comprometido com as coisas importantes de sua vida, mas não consegue encontrar modos de fazer isso com outras, com coisas novas.
É então que entra o segundo truque: torne importante o que é importante.
Vou explicar: eu há anos escrevo mil palavras por dia, mas todos os dias, na minha lista de afazeres, está o item “Escrever”, ocasionalmente especificando um ou outro projeto em que eu tiver que me concentrar primeiro. Eu sigo deixando o contador de palavras do meu editor de textos ligado. E todos os dias eu escrevo, e risco da minha lista de tarefas o item, quando finalizado, sabendo que terei esse item novamente no dia seguinte.
Escrever é importante para mim, e escrever todos os dias é o modo que eu defini para mim como ideal, e portanto é algo que eu só violo como exceção. Porque é importante, entendeu?
Eu não sou um autor best-seller, e a escrita não é nem de longe a maneira como eu ganho dinheiro na minha vida. Mas se eu fosse tratá-la com menos importância por esses fatores, a escrita nunca chegará a esse nível de importância para mim.
Você não negocia a maioria dos seus outros compromissos, todos que você é “obrigado” a fazer. Não negocie o que é importante para você. E, claro, estou usando usando um exemplo diário, mas pode ser outro tipo de período de execução da tarefa ou tarefas em questão.
O que nos leva ao terceiro truque: tenha rotina, tenha constância, tenha ritmo.
Somos educados a pensar que rotina é chato, e realmente a repetição não é tão legal quanto alguma novidade, mas é ela que nos leva adiante. Se minha vida fosse uma aventura por dia sem que eu nunca parasse, eu jamais poderia escrever sobre ela ou sobre qualquer outra coisa.
Portanto, eis o ponto: encaixe o que você quer fazer dentro da sua vida. Eu consegui encaixar o que eu quero fazer todos os dias. Tem gente que faz uma vez por semana. Tem gente que faz uma vez por mês. Tudo vai depender do compromisso que você quer assumir, de suas características.
Mas vou dizer: metas diárias funcionam muito melhor para mim, e vejo que são recomendadas para muita gente. Se você fizer um pouquinho por dia, você conquista muito com o tempo.
Uma hora de uma lição de línguas é cansativo, mas cinco minutos por dia de Duolingo é fácil e muitas vezes mais proveitoso. Se você vai montar um quebra-cabeças, colocar duas peças por dia no lugar é mais efetivo do que colocar 10 uma vez por semana, e você provavelmente vai se cansar menos.
1000 palavras por dia fazem 365.000 palavras em um ano, o que é bastante, e impressiona. 100 palavras por dia parece pouquinho, mas gera 36.500 palavras em um ano. Isso é maior que vários livros que encontramos por aí, e é muito mais sustentável para a maior parte das pessoas. Entendeu? Faça todos os dias um pouco e você caminha mais do que esperar por “o momento” de fazer aquela tarefa.
Com isso, tome a quarta máxima do compromisso com suas metas: Não existe momento certo, e você não precisa de alta performance (mas é sempre melhor se tiver).
Ninguém começa especialista. Eu não comecei com as benditas 1000 palavras diárias. Mas eu só cheguei a escrever 1000 palavras por dia quando eu comecei a escrever algum tanto de palavras por dia.
Eu conheço incontáveis escritores que estão há anos adiando seus livros, alguns por preferirem trabalhos paralelos, outros por dizerem que simplesmente não conseguem produzir com constância. Já perguntei a alguns deles se tinham rotinas e a resposta quase sempre é algum motivo porque não o tem.
Veja, não vou julgar, porque sei que muitos tem vidas completamente diferentes da minha, mas em casos eu enxergo que a pessoas tem as mesmas condições, mas ela simplesmente não faz a tarefa.
O que nos leva a mais uma máxima: Tenha prioridade.
Nas nossas vidas, o tempo é escasso, infelizmente. Isso significa que você realmente não vai conseguir fazer tudo que quer, e vai ter que priorizar algumas coisas para conseguir manter suas metas, especialmente se elas alterarem sua rotina. Dependendo, você vai fazer menos de alguma coisa para conseguir fazer outra.
Eu costumava dedicar muito tempo a games, séries e filmes, e me encontrei muito mais feliz escrevendo e estudando outras coisas, então estou atrasado com Netflix, mas feliz com minhas histórias. É questão de prioridade, e não tem problema se você realmente quiser priorizar alguma coisa que pareça boba para os outros, mas entenda que em alguns momentos você terá que escolher.
Um ponto interessante para pensar: não fazer nada, ou fazer tudo de modo desorganizado, toma MUITO tempo. Sabe aquela pessoa que não parece fazer nada, mas diz não ter tempo para nada? Eu acredito nela. Geralmente, é só que a vida dela é um caos, mesmo que só por culpa dela. Priorizar às vezes é tudo que ela precisa. Em outros casos, reorganizar a agenda e outros aspectos da vida. Cada caso é um caso.
Mas isso já lembra uma das últimas dicas que tenho aqui, hoje: Tenha método.
Veja um jeito de fazer as coisas. Veja como encaixar as coisas. Quer ler mais, mas passa muito tempo no trânsito? Troque a música por um audiolivro. Quer estudar mais? Leve o celular ou um livro no banheiro ou no transporte público.
E não precisa só pensar nesses “encaixes”. Entenda que ter um método de fazer as coisas significa encontrar uma maneira em que fazer uma atividade funciona. Por vezes, reservar uma janela na sua agenda será o único jeito. Se for, paciência! Já vi vários autores que têm um horário reservado todos os dias para a escrita. O quanto eles produzem, ali, vai variar, mas aquele tempo é todo reservado a escrever — nem mais, nem menos que aquele tempo. É um compromisso dentro do seu compromisso.
Pense que para boa parte do que você quer, não existe lugar. Se a escrita é sua meta, você pode escrever no seu celular, pode levar um caderno. Veja o que consegue, desde que faça sentido com tudo mais.
Pensando nisso, mais uma dica: Tenha prazos e metas.
Não adie seu comprometimento. “Segunda eu começo” é a frase que mais antecede desistências. Não basta ter só rotina, mas ter prazos e metas ajuda no seu planejamento e te dá uma perspectiva para o objetivo que estiver realizando.
E, finalmente, o que você nunca deve esquecer: não deixe de descansar, mas não descanse demais.
Não se force. Esforce-se sem forçar. Pode ser que seu limite cresça com o tempo, mas não é explodindo-o que você evolui. Além disso, lembre-se que o seu limite não é o mesmo dos outros, então não se paute por eles.
Descanse sempre, mas tenha consciência do seu descanso. Isso serve tanto para que você não o desrespeite e, por consequência, não se desrespeite, quanto para que você também entenda que não deve usar a necessidade ou vontade de descanso como pretexto para abusar e desrespeitar o compromisso que tem com o que você realmente quer.
Encontrar esse equilíbrio é algo bem específico e, como muita coisa que eu descrevi aqui, varia completamente de pessoa para pessoa. Mas é importante que você tenha essa consciência. Se fizer sentido, é até mesmo possível adicionr o descanso à sua agenda!
Só não vá se estressar por conta do descanso, em um sentido ou em outro. Caso contrário não fará nem sentido, para começar.
Boa sorte.