Não é bonito não ter um sonho

Rodrigo Ortiz Vinholo
4 min readNov 25, 2019

Talvez, como já aconteceu comigo, alguém pode ter te dado a entender que é bonito, louvável, positivo, bom, normal, “normal” ou aceitável não ter um sonho. Ou que qualquer um dos opostos disso tudo são ruins, ou pretensiosos, ou ridículos, ou bobagem de qualquer outra forma.

Bem, estou aqui para dizer que bobagem é tudo isso aí que eu disse que é dito.

Não é bonito não ter um sonho.

Não é.

Não te torna uma pessoa profunda, nem livre, nem melhor.

Se você não tem um sonho, se preocupe. Isso pode significar que você não tem um objetivo na vida. E isso é perigoso, porque você não tem motivação, e a maior parte das vidas sem motivação não são vidas, mas mal e mal existências. Sobrevivências bizarras, no máximo.

Pense que você certamente sabe o que quer. Sabe o que gosta. Se, sabendo o que quer, o que gosta — ou, na pior das hipóteses, o que não quer e o que não gosta — , você não estiver fazendo nada no sentido de ter mais do que gosta — ou menos do que não gosta — , algo está bem estranho na sua vida.

“Mas Rodrigo,” você me diz. “Eu não tenho tempo. Nem ânimo. Nem dinheiro. Nem possibilidade de ter um sonho.”

E aí que é o ponto-chave, cara pessoa: TÔ NEM AÍ.

Brincadeira. O ponto, aqui, é que a magia de se ter um sonho é que ele é um sonho. Ele não custa nada, enquanto sonho.

Se você tem um sonho, sua vida é pautada por ações em torno desse objetivo. Você ganha um ponto de vista que define se, e como, cada ação corresponde ao grande plano do sonho da sua vida.

Isso ajuda você a entender melhor o que quer e o que não quer. O que faz e não faz sentido. E, mais importante, o que você deve ou não fazer. Se você vive sem o contexto maior de ter um propósito, qualquer coisa serve.

Aí vem outro ponto nevrálgico e de possível discordância: “Mas se qualquer coisa serve, não maximizamos a felicidade, assim?”

“Mais ou menos”, seria minha resposta, se eu estivesse sendo leniente. “Não,” é minha reposta, sendo sincero e responsável.

O fato é que realmente é possível ser feliz por nada e sem nada ou com qualquer coisa. Mas é difícil, porque isso requer um desprendimento que pouquíssima gente tem, e é dificílimo de conquistar. Conquistá-lo, também, pode não ser uma coisa boa: você pode se acostumar e até amar uma bota enterrando seu crânio na areia, mas que tipo de pessoa você se tornou para achar isso positivo e desejado?

Além disso, a felicidade da realização é específica, e é identificada diretamente com a liberdade de realizar o que se deseja. É potencialmente maior que qualquer outro tipo de felicidade, também. Você realizar um sonho é algo que te dá força.

E é aqui que eu vou dizer quase o contrário do que eu disse antes: cuidado com o que você faz com seus sonhos. Sério.

Digo isso porque ter um sonho só raramente é uma coisa boa. Ter apenas um sonho. Uma unidade de sonho. Um carrinho de compra da vida com um (1) item: sonho. Isso é ruim. Isso porque se ele for realizado e você não tiver outro, aí cai numa crise, porque será incapaz de ter felicidade com nada. Antes não tivesse tido nem um.

Então saiba: tenha sonhos, mas tenha vários. Grandes e pequenos. Possíveis e impossíveis. Se você não prejudica ninguém, sonhe à vontade. Sonhe muito, e funcione sempre dentro dos seus sonhos.

Ah, e outra coisa: não viva os sonhos dos outros, nem os que esperam que você sonhe, mas não quer sonhar. Essas são fórmulas básicas de infelicidade. Os sonhos dos outros são dos outros, e se der certo ou não, você corre o risco de se ver sem sonho à toa. E o sonho imposto não gera felicidade, porque não é seu. Porque foi feito para se adequar, ou para evitar o sofrimento.

E “se adequar” ou “evitar o sofrimento”, como já mencionei antes, significam só “sobreviver”. Não tem nada de especial ou de muito bom nisso.

“Mas e o sonho de meu grupo/nação/família?”

Você está lendo o que eu escrevi aqui? Não são seus. Isso significa que você até pode concordar com esses sonhos, mas você cai na armadilha de depender da realização dos outros na sua vida.

E aqui tenho que voltar um pouco para o começo para fazer a distinção: abnegação soa honroso e bom, mas geralmente é só sacrifício desnecessário. Você não é egoísta por querer coisas e por fazer coisas para você, desde que não esteja prejudicando os outros. E se os outros estão forçando a sua abnegação para realizar o que eles desejam, bem, é provável que eles que estejam sendo egoístas.

Você pode ter como sonho a ideia que “meu sonho é que todos os sonhos de alguém/de um grupo se realizem". Tá certo, Papai Noel, mas isso só te trará satisfação enquanto os sonhos se alinharem com o que você quer. É por isso que tantos relacionamentos falham, e por isso que muitos pais se frustram com filhos e filhos com pais. Porque nós não podemos depender dos sonhos dos outros, porque cada um tem suas próprias necessidades e vontades, e elas nem sempre conversam.

Resumindo, não é bonito não ter um sonho. Não é bom ter um só. E não dá certo não ter os próprios sonhos.

Fez sentido? Se não, sou aberto a ouvir sua opinião. Só lembre-se que estar aberto para ouvir não é promessa de concordância.

Beijos e abraços. Tomem água. Sejam felizes e não prejudiquem as pessoas. Até mais.

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Rodrigo Ortiz Vinholo
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Written by Rodrigo Ortiz Vinholo

Publicitário, jornalista, escritor, professor e pessoa estranha.

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