Eu resolvi tabular o histórico anual de crimes de São Paulo
Recentemente saíram as estatísticas que faltavam de ocorrências policiais registradas por mês no portal da Secretaria de Segurança Pública de São Paulo, e eu resolvi exportar tudo e fazer um evolutivo anual. Nesse teste eu descobri algumas coisas que vou compartilhar aqui:
Lá no portal da SSP, existem dois tipos de extração possíveis: “Criminal”, onde se listam ocorrências por tipo e, em casos, número de vítimas; e “Produtividade policial”, que se refere a ocorrências, infratores e diligências. Vou usar os dois tipos para esta análise.
(Esses dados são da visão de Ocorrências por Mês. As visões nomeadas como Ocorrências por Ano e Taxa de delito não estavam atualizados quando fiz essa análise.)
Para começar, é importante dizer que estou partindo do pressuposto de que esses dados são verdadeiros e o mais completo possíveis. Eu sei que provavelmente há subnotificação, especialmente em casos como estupro, mas precisamos ter alguma base para entender.
Vale destacar também que houve mudanças de metodologia com o decorrer do tempo, o que levou a alguns campos que por vezes ficavam vazios, e em outras zeravam artificialmente. Para não forçar a barra, mantive tudo do jeito que foi exportado.
No começo deste texto já coloquei tabelas completas de 2001 a 2023, mas agora veja Criminal com essa formatação condicional: quanto mais vermelho, mais ocorrências e, quanto mais verde, menos ocorrências. Olhando os padrões, dá para fazer observações e perguntas bem interessantes.
O que me chama a atenção logo de cara é o evolutivo de homicídio doloso. Sempre ouvimos falar sobre a violência no estado, e preocupações do tipo, mas ano após ano, ao menos com base em dados, o estado de São Paulo parece ter MENOS homicídios.
Quase o mesmo tipo de evolução se mantém em tentativa de homicídio e latrocínio. Lesão corporal dolosa não cai na mesma proporção, mas se mantém abaixo de 136.000 desde 2017. Pelos dados, nós estamos MAIS SEGUROS a cada ano que passa.
Importante frisar que não estou amenizando a violência ou qualquer outro crime, aqui, nem tentando passar pano pra ninguém, mas apontando outra questão: há uma dissonância entre o que é registrado e o que é percebido. E nem tudo são flores:
O que me assusta, em particular, são os estupros. Sim, eu sei que os números provavelmente são alguns dos mais tendenciados dessa lista, subnotificados por incontáveis motivos, mas frente a métricas em queda, ele chama atenção.
Olhando na proporção de crescimento, vemos um salto enorme em 2009 e 2010. Não tenho como afirmar, mas entendo que possa ter relação com algo de metodologia e/ou conscientização, mas vejam que a partir daí, mesmo oscilando, a média segue alta e com tendência de crescimento.
O que entendo que seja especialmente trágico aqui é ver a composição da métrica de estupro: a grande maioria, onde há registro, é de estupro de vulnerável. Se especularmos com base no padrão dos últimos anos, podemos imaginar que o padrão se mantém e segue piorando.
Notem, também, que o estupro de vulnerável cresce em proporção maior. Há de se questionar, assim, por que menos de 20% das delegacias da mulher atualmente funcionam 24h e por que elas sofreram tantos cortes de verba recentes.
Focando no trânsito, também temos uma tendência positiva tanto em lesão corporal quanto homicídio culposo e doloso (sim, existe).
Já em roubos e furtos, a tendência é outro ponto que me chama a atenção: enquanto vemos quedas em lesão corporal e homicídio, com roubos acompanhando a tendência, furtos se mantém mais ou menos dentro da mesma lógica histórica.
Inclusive, temos um dos piores valores em 2022, depois de uma queda brusca por conta da pandemia.
Olhando de longe, aqui há algo para pensarmos: afinal, parece que até hoje só a pandemia foi capaz de coibir efetivamente furtos. Todas as outras frentes seguem evoluindo, mas essa, junto de estupros, é a de pior resultado.
Quero fazer uma análise mais focada nos últimos anos, mas antes disso, temos a segunda fonte de dados para olhar: Produtividade Policial.
Para produtividade policial, vou seguir a lógica que autoridades geralmente usam, e considerar que mais atendimentos seja mais positivo, porque a produtividade é maior, então as cores do gráfico estão invertidas, com verde equivalendo a mais.
Eu tenho minhas dúvidas sobre essa metodologia — afinal, temos mais diligências porque tivemos mais crimes, ou tivemos mais diligências porque os policiais trabalharam melhor? Idem para qualquer uma das outras métricas. Mas enfim, seguirei na lógica que normalmente usam.
Se essa lógica fizer sentido, e os números estiverem certos, a atuação da polícia foi a melhor entre 2012 e 2019. Podemos não estar nos piores anos do histórico, mas chama atenção a mudança.
2020 e 2021 mostram a queda que normalmente vemos em qualquer métrica na pandemia, mas algo chama a atenção: 2022 e 2023 não se recuperam tão bem. Ainda seguimos com números bem baixos.
Outro ponto que me chama a atenção em dissonância entre o que é dito e o que ocorre: ocorrências relativas a entorpecentes (porte, tráfico e apreensão) estão relativamente mais baixas.
Fica a dúvida dúvida: por que isso é um ponto tão discutido, por que o resultado efetivo é menor? Temos menos drogas por aí, ou menos trabalho da polícia?
Flagrantes também caíram, apreensões por mandado também. Mas prisões efetuadas, ainda que não estejam em um dos pontos mais altos do histórico, não estão assim tão longe do topo. Idem para o número de inquéritos.
E agora, vale olharmos os últimos 7 anos isoladamente. Faço isso tanto para termos uma proporção mais próxima, quanto porque esses anos também têm dados mais completos e, me parecem, mais confiáveis.
Já vimos alguns dos pontos de dissonância principais quando olhamos os números de estupro, anteriormente, mas aqui, com os dados recoloridos, fica mais fácil vermos algumas tendências. E chamo atenção novamente para estupro, furtos e lesão corporal dolosa.
Eu não tenho as respostas definitivas, mas aponto uma questão: se tirarmos 2020 e 2021, afetados pela pandemia, fica mais clara uma tendência de crescimento de alguns aspectos de violência e a manutenção de furto.
Fazendo essas duas comparações com a Produtividade Policial, as coisas ficam ainda mais estranhas. A queda da produtividade da polícia começa em 2019 (com exceção para apreensão de entorpecentes em 2021 e inquéritos, que seguem subindo).
Eliminar a pandemia deixa ainda mais claro essa tendência (por injusto que seja com a realidade, pois esconde o crescimento que houve de inquéritos antes da queda novamente em 2022).
Agora, com esses dados em mãos, eu deixo as hipóteses para especialistas, mas me permito algumas observações antes de terminar essa conversa.
Se quisermos dizer que há uma influência cultural negativa em jogo, não me parece existir simplificação que faça pleno sentido, porque teríamos um abrandamento de homicídios e roubos, para focar em lesão corporal e estupro.
Do mesmo modo, roubos se intensificaram, mas não apresentam pico muito maior que o histórico.
Incluo aqui, também, conclusões referentes a posicionamentos políticos ou preferência de um ou outro eleito: qualquer atribuição de mérito também terá que responder pelo demérito de outras frentes e uma aparente queda de produtividade policial. Ninguém fica sem alguma culpa.
Lembro também a todos a chance de erros nesses dados, especialmente, como eu disse antes, com subnotificações e todos os elementos que incentivam que elas ocorram.
Só que ainda há o que pensar: claramente existe o que melhorar, e reforço em especial todos os casos de estupro, em especial de vulneráveis. Se há algo funcionando em nossas políticas públicas e policiamento, há um tanto que não funciona em tantas outras frentes.
A fonte dos dados foi o Portal da Transparência da Secretaria de Segurança Pública de São Paulo.
Se quiserem ver os dados tabulados, deixo minhas tabelas do Google Sheets para consulta (incluindo algum material que ficou lá sobrando).