Como se conformar
Às vezes, na vida, vale a pena insistirmos nas coisas. Vale a pena sermos inconformados. Vale a pena lutarmos, tentarmos convencer os outros, fazermos de tudo para mudar a realidade.
E, às vezes, não há nada que possamos fazer. Isso porque algumas coisas são irreversíveis, ou porque não temos meios realistas de mudar as coisas, ou simplesmente porque nossas expectativas não são realistas.
Obviamente, não estou falando para não lutarmos, nem para sermos conformados. Eu me refiro àquilo que claramente não tem mais jeito e, enquanto às vezes a distinção pode ser dúbia, em outros casos, ela é indubitavelmente clara.
De que adianta, por exemplo, eu ser inconformado com a finitude da existência humana? Por mais que prolonguemos nossas vidas e aprimoremos nossas saúdes, não seremos vampiros imortais, nem outro tipo de ser que não é sujeito ao fim. O tempo passa, e tudo envelhece e, um dia, acaba. Podemos nos revoltar com a morte de alguém querido ou a perspectiva de que um dia vamos morrer, mas nossa revolta não impede a morte.
Existem, assim, os casos em que nos conformar é o que nos resta, porque a alternativa é adicionar sofrimento e gasto de energia desnecessários.
E aí é que vem a pergunta: como é que se faz para se conformar? Depois de algumas décadas de vida, isso é uma coisa que acaba passando pelas nossas cabeças e, apesar de eu ainda ter uma idade onde ainda se esperam algumas tantas mudanças de ideia, eu tenho algumas impressões para compartilhar.
Digo, então, que é um erro pensar em se conformar como algo ativo, algo que podemos escolher fazer. Se conformar não é uma coisa que a gente faz, mas algo que requer o oposto da ação. Enquanto estamos tentando FAZER uma coisa, não nós conformamos, e conformar envolve parar de agir, para bem ou para mal.
Nos conformar é o que acontece quando não estamos olhando. Se conformar não é algo ativo, mas sim um efeito que se dá apenas quando nos distraímos o suficiente e voltamos a prestar atenção. Nós podemos até notar diferentes partes do processo, através de nossos sentimentos, percepções e respostas, mas nunca pegamos o momento em que isso está acontecendo.
É como um ferimento. Nós podemos passar algum remédio, fazer um curativo, mas não é através de uma ordem nossa ou de nosso desejo que ele vai se curar. E, claro, se nós ficarmos cutucando, vai ser mais difícil que ele se cure.
Eu diria que essa metáfora é bem apta, porque as duas situações falam de algo que, queiramos ou não, geralmente tende a acontecer por força da natureza. A maior parte das condições das nossas vidas caminham de modo para que seja cada vez mais fácil nos conformarmos com o que acontece com mais frequência. Note que não estou discutindo se isso é bom ou ruim, mas apenas apontando um fato: existe inércia.
Se queremos nos conformar, podemos tomar a decisão consciente de ajustarmos nossa disposição e humor, ou mesmo de buscar explicações lógicas e emocionais, compensações e até distrações. Se não queremos nos conformar, nós podemos fazer o oposto, buscando mais motivos para inconformidade, atiçando nossa própria raiva, ódio e tristeza, focando no que nos atormenta. Claro que não estou dizendo que somos capazes de controlar completamente nossos sentimentos, mas até certo ponto, essa influência é inegável.
O que isso nos diz? Que, por um lado, a melhor cura que podemos oferecer a nós mesmos, geralmente, é tempo. E que, por outro, seja para conformidade ou inconformidade, nós muitas vezes somos a principal influência.
Eu, que muitas vezes me sinto tão indignado com como funcionam o universo, as pessoas, a vida, o tempo e a realidade, tive que aprender que não me conformar com o que era impossível de mudar não era uma derrota nem desistência, mas conviver com as mesmas limitações que os outros seres humanos vivem. E entender que, mesmo que outras coisas sejam, digamos, “menos impossíveis”, elas podem igualmente ser inalcançáveis, e aceitar isso pode me poupar de sofrimento desnecessário.
No fim, tudo isso deixa a vida um pouco menos pesada. E aí, tudo é mais tranquilo.