As pessoas gostam de pessoas

Rodrigo Ortiz Vinholo
6 min readSep 27, 2021
"Narciso" (1597) de Caravaggio

Como profissional de comunicação, uma informação que eu constantemente preciso reforçar para clientes, e mesmo para outros profissionais da minha área, é que as pessoas gostam de pessoas.

Muito provavelmente isso é óbvio, mas o fato de eu estar aqui compartilhando este texto com vocês é porque o óbvio não está sendo visto de maneira clara o suficiente ultimamente, e achei melhor eu entrar em alguns detalhes.

Você provavelmente já ouviu falar em pareidolia, certo? Essa é aquele fenômeno psicológico que faz com que nós reconheçamos imagens e sons em alguns estímulos vagos. Em exemplos comuns, podemos ouvir um barulho e achar que foi uma voz, ou podemos ver uma imagem e enxergar um rosto, ou uma forma humana.

Basicamente, nossos cérebros buscam padrões, porque é mais fácil viver assim. Se nós não vivêssemos procurando padrões, nós teríamos muito mais trabalho de lidar com muitas coisas. É por isso que nós lemos letras, e entendemos linguagens, e porque nós enxergamos pessoas em nuvens e carinhas em manchas na parede. A pareidolia existe porque nosso cérebro, em séculos de evolução, entendeu que é importante nós reconhecermos um rosto, voz ou coisa assim, porque essas coisas são o que definem os outros humanos.

O que isso nos diz sobre nós mesmos? Bom, o básico é outra coisa que talvez seja óbvia: nós somos seres gregários. Nós existimos para viver em sociedade, para nos darmos bens uns com os outros. Não é novidade nenhuma, no geral, certo? Só que o ponto que eu quero chegar é sobre coisas grandes e pequenas.

Na publicidade, você sabia que um truque clássico é usar pessoas na comunicação de qualquer coisa? Isso, em muitos níveis, se dá por questões de projeção e identificação — a publicidade, afinal, deve falar com públicos específicos, e se eles conseguem se enxergar em uma peça publicitária, eles dão atenção — , mas em um ponto muito mais básico, nós temos muito mais chance de parar para olhar algo que tenha pessoas do que algo que não tenha.

Isso, em redes sociais, é fácil de medir. Como nós queremos ver rostos e objetos reconhecíveis, várias vezes marcas e influenciadores vão aproveitar desses elementos para chamar a sua atenção, porque sua atenção equivale e dinheiro. O próprio conceito de influenciadores, aliás, é parte de toda essa questão ampla de identificação: ver alguém falando sobre algo é, para a maior parte de nós, muito mais convincente do que um texto vago, ou uma marca, ou qualquer coisa assim dizendo a mesma coisa.

Isso nos dá algumas dicas e alguns avisos importantes.

O primeiro é que, no fim das contas, nós somos condenados ao coletivo. Mesmo que nós não queiramos, nós estamos sempre procurando outras pessoas. Nossos corpos são programados para procurar pessoas, e nós nos importamos muitas vezes mais com elas e com o que elas pensam do que nós gostaríamos de admitir.

Não é difícil, assim, entender por que todas as nossas religiões, em geral, falam sobre nos juntarmos com outras pessoas de um modo ou outro e, em geral, para valorizarmos esse coletivo e sermos bons com os outros. Nós precisamos dos outros, se não sempre de forma prática, mas em um envolvimento de identificação.

Só que, exatamente porque nós nos pautamos pelos outros e nós identificamos facilmente pessoas e buscamos essa identificação e envolvimento, é fácil nós nos deixarmos manipular. Afinal, nós queremos fazer parte, nós queremos ver as pessoas que se parecem com a gente. O próximo passo de identificarmos outras pessoas é identificarmos quem nós somos em relação a elas. E é bem difícil nós não nos identificarmos com ninguém, tanto porque o mundo é muito plural, quanto porque nós somos tendenciosos.

Na publicidade, um público-alvo é o grupo de pessoas para quem a comunicação é direcionada. Do mesmo modo, um produto ou serviço também tem um público-alvo. Por que as propagandas de carros são diferentes? Porque nós temos gostos e necessidades diferentes.

Não adianta tentar me vender algo falando de futebol, se eu não gosto de futebol. E se eu gostasse, não adiantaria tentar me vender com um time ou atleta que não representasse minha identidade.

Você não pode se safar de ser um público-alvo, porque sua idade, localização geográfica, classe social, nacionalidade e tantos outros fatores já te tornam parte de um público viável, e te trazem comportamentos e susceptibilidades específicas.

E aí que vem a coisa: quer queira ou não, você vai tender a concordar com quem você acha que se parece com você, seja de aparência ou de ideias. Com quem te representa. Só que as pessoas sabem disso, e elas se aproveitam disso.

É por isso que quanto mais alto um político fala e mais fáceis de entender são suas posições políticas, mais ele é ouvido. Ultimamente, isso foi transformado, e os políticos de falas polêmicas acabam ganhando mais público e mais espaço. Você acha que é acidental?

“Ah, mas o MEU político…”

Não. Todos os políticos fazem isso, independentemente de posição. Isso não quer dizer que eles necessariamente estão sendo desonestos em suas posições, mas sim que os bem-sucedidos sempre vão usar dessa comunicação mais simples.

Repita comigo: você não é imune a propaganda. Ninguém é.

E isso é fácil de ver: um político pode ter ótimas ideias, mas o que as pessoas ligam muitas vezes é no volume de pessoas que o seguem. Por mais que você queira se achar o melhor, não tem graça estar certo sozinho. Você precisa de mais gente que seja certa com você. É por isso que as pessoas contam tamanhos de manifestações, comparam e se vangloriam disso depois.

Só que aí que vem mais uma coisa interessante: a quantidade de pessoas que concorda não obedece necessariamente uma lógica racional. O que interessa é ter as pessoas, e o resto é uma conversa fácil de converter. Isso, simplificando muito, se chama “nicho de mercado”.

Duvida? Pense assim: é comum que as pessoas, quando estão em posição de oposição a um governo, se posicionem considerando os que aderem aos governistas como “massa de manobra”, dizendo que “toda unanimidade é burra”, citando Nelson Rodrigues. Se os outros são a maioria, isso é um sinal de que a maioria é composta de pessoas ignorantes, que não questionam, que não têm senso crítico. E os que são contra, em sua minoria, são inteligentes, críticos, perspicazes e talvez até mesmo mais bonitos que os outros.

Esses mesmos opositores, quando passam a apoiar um candidato em eleições, muitas vezes se veem em uma posição trocada, no caso da troca de governos. Eles se tornaram maioria. Só que agora as pessoas concordam com a “maioria”, e todo aquele discurso de antes não pode ser sustentado sem que elas tenham que se identificar com a burrice, e se aceitarem como “massa de manobra”. Nessa hora, tudo muda e eles se tornam a maioria, mas são uma maioria inteligente, diferente, que viu além do que todas as outras maiorias que viram no passado. E ainda vão, ignorando o que disseram no passado, bater no peito par declarar que, como maioria, devem ser respeitados.

O que estou dizendo com isso, que toda unanimidade é burra, mesmo? Que só as minorias são críticas e espertas? Não, eu estou dizendo que nós sempre vamos tentar nos identificar com outras pessoas, e que nenhum dos motivos que usamos para explicar nossa adesão é verdadeiramente racional. Nós somos criaturas altamente emocionais, que querem pertencer a grupos a todo custo. Nós somos bichinhos ridículos.

E aproveito para discordar de Nelson Rodrigues. Eu não acho que toda unanimidade é burra, necessariamente. Muitas são, realmente, especialmente se elas não são críticas. Se o mundo todo fossa unânime que vacinas salvam vidas, o mundo estaria mais seguro. Mas eu entendo ele, e sei que é muito menos impactante falar “a maioria das unanimidades é burras, mas alguns casos, como vacinas, são positivos.”

Assim, para terminar, eu espero que tenha ficado claro que pessoas gostam de pessoas, e que isso, se você precisa levar alguma lição mais clara e explicada daqui, se traduz em dois grandes pontos:

1- Se você precisa apresentar uma ideia a alguém, faça-a em um nível humano. Envolva pessoas, e ligue a ideia à identidade delas. As pessoas são muito menos racionais do que elas acham que são. Fale com o coração.

2- Alguém está tentando te enganar, ou já te enganou falando ao seu coração. Quanto intensos os sentimentos que você tem contra alguém, seja a favor ou contra, maior a chance de que alguém consiga se aproveitar disso, se é que não está se aproveitando. E dá pra evitar isso? Até dá, mas você tem que deixar seu orgulho de lado.

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Rodrigo Ortiz Vinholo
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Written by Rodrigo Ortiz Vinholo

Publicitário, jornalista, escritor, professor e pessoa estranha.

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