Aqui e Agora
Eu estou aqui, e agora.
Onde mais eu poderia estar? Não sou uma ilusão de óptica, nem um holograma, e nem que eu quisesse me deslocar instantaneamente para fora daqui, não é como se existisse um teletransporte de Viagem nas Estrelas, ou como se eu pudesse desaparatar, como nas histórias de Harry Potter. Também não posso existir em dois lugares ao mesmo tempo, me duplicando ou viajando no tempo como em inúmeras outras histórias.
Eu não tenho escolha, além de estar aqui e agora.
Tudo bem, tudo bem, sei que minha cabeça não segue essa lógica, necessariamente. Posso facilmente me tornar um corpo com uma mente distante, pensando em uma lista de tarefas, ou no celular, ou no que vou fazer amanhã, ou no que fiz ontem, ou em centenas de outras coisas e lugares e estímulos.
Dizem que isso é inevitável, que é o ritmo das nossas vidas, que é a “Era da Informação”, que é o novo padrão. Estatísticas do Facebook apontam que nós vemos pouco mais do que o equivalente a 9 metros de conteúdo por dia, apenas rolando com nossos mouses ou dedos. Isso é o “novo normal”.
Só que existe uma diferença entre usar nossa capacidade mental e a tecnologia para trabalhar, para nos divertirmos e para fazermos o que quisermos em qualquer lugar e à distância… e o multitasking doentio em que nos viciamos.
Nós muito falamos de “estar presente”, “estar no aqui e no agora”, e tantas outras expressões relacionadas ao chamado Mindfulness, e é bom que procuremos isso, porque ao menos sabemos que nos tornamos como nos tornamos. Só que nós muitas vezes confundimos, achando que o multitasking é um jeito de estarmos presentes. Spoiler: não é.
Para minha cabeça, na verdade, é muito mais interessante, em boa parte das vezes, que eu não esteja onde estou, porque pouca coisa está acontecendo, ou o que está acontecendo não é potencialmente tão interessante quanto o que está em outro lugar, ou no que poderia ser etc.
Fui ensinado, por muito tempo, que fazer muita coisa é bom. E aí em algum momento me enganaram — ou ainda, eu me deixei convencer — com a ideia de que fazer muita coisa ao mesmo tempo é melhor ainda! Que cada segundo que eu conseguir espremer de uma atividade em outra será benéfico. O resultado, claro, é que eu acabo não fazendo nem uma coisa, nem outra. Ou faço as duas muito mal, levando muito mais tempo.
E o pior, minha cabeça — como a de muita gente — acaba ficando reconfigurada com a ideia de que esse “novo normal” deveria ser o padrão, e aí nossa exigência passa a ser essa, mesmo que seja destrutiva para nossos corpos, mentes e emoções. Se não cumprirmos, o nível de exigência incutido pode fazer com que nos culpemos do crime de “perder produtividade”, o que é balela, já que terminar uma tarefa geralmente é muito mais produtivo do que fazer 10% de cinco.
O que fazer, então? Muita coisa! Para começar, é notar quando estamos fazendo isso e racionalizar essa lógica absurda. Outro jeito é observarmos e reduzirmos o que pudermos, dos nossos arredores, que levam a esse tipo de dispersão.
Só por um exercício, vejamos neste texto, mesmo. Eu gosto de escrever, e estou escrevendo este texto com foco. Outros arquivos de texto estão no fundo, minhas redes sociais e outros sites não estão visíveis, e estou olhando para a tela e digitando. E isso é fantástico, né? Já estou fazendo muito! Mas aí que vem a questão: por conta dos hábitos, estar “aqui e agora” ainda requer certo esforço.
Eu estou mentalmente editando este texto ao mesmo tempo que o escrevo, e quando pauso para escrever eu desfaço nós do meu cabelo, e penso que preciso cortá-lo (o cabelo, não o texto), e penso que pelo horário eu já devia ir tomar banho, e tenho que resistir à tentação de olhar para minha lista de tarefas, pois sei que queria hoje mesmo ainda trabalhar em outros textos e fazer algumas outras atividades que podem ou não caber na minha agenda, por conta da hora. No fundo, ainda reflito se devo sacrificar ou não uma leitura, ou se devo assistir um episódio de uma série que queria ver, e penso na agenda do dia seguinte. Quando noto que pensei em tudo isso e não fiz nada, me pergunto o que está acontecendo no Twitter, para ver se alguém mencionou meu nome, ou se existe alguma notícia relevante nova. Vale mencionar que eu olhei o Twitter uns 15 minutos atrás.
Isso não é fictício. Não é um exagero da realidade, também. Tudo isso eu escrevi pensando em fatos, necessidades e vontades reais, e realmente só não saí tanto assim do “aqui e agora” ao fazê-lo porque a proposta era realmente pensar em tudo que estava me tirando do “aqui e agora”. Era um exercício.
Ok, é justo que eu admita que menti: eu me distraí duas vezes enquanto fazia minha lista de distrações.
Então tirar distrações e saber que elas existem não soluciona tudo? Não. Tem muito mais coisas, e elas incluem desde realmente ter uma agenda e inboxes organizados para que sua cabeça não tenha que ser sua caixa, até trabalhar sua respiração.
É sério, você já parou para respirar? Respirar bem fundo, mesmo?
E aí que vem o desafio: uma respiração profunda, completa… pensando só na respiração. Não nas distrações, em tudo mais que está esperando.
Pare e faça só isso. Se quiser, até feche os olhos. Se você conseguir isso por um instante, parabéns: estará no “aqui e agora”.
Agora é só pegar esse foco e aplicar no resto.
Isso soluciona tudo? Certamente não, mas já ajuda. É um começo, e aos poucos chegamos lá. Boa sorte.
—
Antes que você se vá, se permita uma distração: se você está lendo este texto em julho ou agosto de 2019, saiba que eu estou com um livro em financiamento coletivo! Seu nome é "33", e dentre vários dilemas que ele trabalha da vida moderna e do relacionamento entre as pessoas, aparece muita coisa desses assuntos que gosto de trabalhar aqui no Medium.
Como é financiamento coletivo, eu dependo de um público de apoiadores para que ele possa ser lançado, então conto com vocês para conhecerem e me ajudarem a tornar esse projeto real. Você ainda pode garantir cópias de outros livros meus! Para acessar, é só clicar nestas palavras que estão com link aqui nestes últimos parágrafos. Obrigado!