A sua experiência não importa
Este título não é tão caça-cliques quanto parece. Ele é, na minha visão, dependendo de como você lê-lo, verdade. E também é, na minha visão, dependendo de como você lê-lo, mentira.
Agora, quem sou eu para falar que a experiência dos outros não importa, e ainda falar isso começando o primeiro parágrafo com a infame base de “na minha visão”? Será que não enxergo a contradição? O absurdo? O insulto? A possível ignorância, ou até burrice?
É claro que é de propósito.
Sua experiência de qualquer coisa importa. Estou falando de experiência com o sentido amplo, de como você teve a experiência das coisas durante sua vida.
Mas a questão é: sua experiência não representa nada, no sentido geral. Nada seria diferente se sua experiência fosse de um jeito ou de outro. Suas ações e reações podem mudar as coisas, mas não sua experiência. Nesse sentido, sua experiência não é uma boa medida para analisar o mundo que não para você, e muitas vezes, nem assim.
Talvez você pense que só estou dizendo isso para desestimular sua fala e desacreditar suas opiniões, e realmente estou. Só que, quando eu faço isso, eu também faço comigo, e com tudo e todos. Contra os fatos, a minha ou a sua experiência não servem de nada.
Soa filosófico demais? Pois vamos tornar um pouco mais sólido: a ciência não se importa com sua experiência. Não em linhas gerais. Como você se sente, o que você vê, quais os efeitos de um remédio em você, como seu corpo funciona — todos esses dados podem ser úteis e interessantes, mas eles raramente importam se falarem apenas da sua experiência.
É o que as pessoas chamam de “evidência anedótica”. Sua experiência isolada — ou falta de alguma experiência — não prova nada. Se, tomando a mesma ação, algo acontece com mil pessoas e não com você, provavelmente você é a exceção, não os outros. Se você pegar uma doença e se curar, mas todas as outras pessoas com o mesmo tratamento morrerem, elas são a regra.
Se você vai fazer um experimento científico, a pesquisa deve sempre buscar consistência em métodos, para que o que seja feito entre os envolvidos seja igual. Ou seja, para que todos tenham a mesma experiência. Disso se observam os resultados. O resultado do que acontece com um grupo, mesmo que para alguns o resultado seja de um jeito, e para outros, de outro.
Agora, e se você pegar o resultado isolado de uma pessoa, ele diz alguma coisa que possa ser usado para qualquer pesquisa científica séria? Claro que não. Isso não significa nada. Aquele pode ser um resultado que está alinhado com o resto da amostra utilizada para o estudo, mas ele pode, igualmente, ser a exceção. Ele é a verdade daquela pessoa, mas ele não fala nada sobre a verdade dos outros. Ou seja, não importa para a maior parte dos objetivos, por mais que importe para aquela pessoa.
O problema é que nós não tendemos a pensar cientificamente, ou estatisticamente. Mas nós pensamos literariamente: nós nos focamos em histórias e, pior, procuramos protagonistas, antagonistas, e todos os elementos de roteiro que gostamos de ver.
Quando nós vemos a história de sucesso ou de fracasso de uma pessoa, nós não vemos todas as outras histórias que ocorreram paralelamente a ela. É o tal do viés do sobrevivente: nós só vemos quem sobreviveu para contar a história, por assim dizer.
Nós temos biografias do primeiro lugar, ou de histórias peculiares o suficiente para se destacarem, mesmo se não estiverem em tal posição. E como nós tendemos a nos entender como protagonistas, nós achamos que essas histórias — o pior ou o melhor — são o que vai acontecer com a gente. Nós não sonhamos com a mediocridade, e geralmente apenas a tememos quando nos enxergamos nela.
Quando tentamos entender o mundo, então, nós erramos em algumas coisas básicas: nós olhamos para os vencedores, e no máximo para algum perdedor estranho. Só que eles todos são a exceção, então nós entendemos o mundo de uma maneira incomum. O que se destaca não é necessariamente real, ou não “tão real” quanto o resto.
Agora, sendo prático: é claro que a experiência dessas pessoas pode ser útil. Ela pode te dar dicas, te fazer encontrar caminhos, fazer com que você se sinta representado(a) de alguma forma, permitir que você mapeie a própria existência de alguma maneira diferente. Mas ela não te diz nada sobre o mundo em geral, exceto por uma comparação tendenciosa.
Volte, então, a visão para seu microcosmo. Pense na sua experiência. Ela tem pontos em comuns com outras pessoas, mas ela não é igual à de ninguém. Por isso, o mundo, para você, só existe do jeito que é para você. Você pode até ser uma referência ampla, mas você raramente vai ser uma referência específica confiável.
Agora olhe para outra pessoa. Preste atenção quando ela falar. Entenda a experiência dela. E aprenda algumas coisas com isso. Aprenda tudo que você puder, porque mesmo que você não use, é uma experiência. E mesmo não importando, ela importa.
Lembre-se, assim, de três coisas:
1- A experiência de cada pessoa que você encontrar não importa para ninguém além dela mesma, e não representa, sozinha, verdade alguma que não a daquela pessoa;
2- Por isso mesmo, não questione o valor da experiência, porque ela é válida para aquela pessoa, e é importante, e é verdadeira, mesmo que não represente o resto;
3- Mesmo que jamais seja a sua, entenda que, assim com você é parte de alguma referência maior que você, essa pessoa em algum aspecto também é. Então, em algum momento, mesmo o que é diferente de você é estatisticamente, logicamente e até emocionalmente mais representativo do que parece.